Revelia
no Processo Penal Brasileiro
RESUMO:
Há como equivocado o entendimento de que, no processo penal, inexistiria a
revelia. Em verdade, a revelia, no processo penal, incide com muito menos vigor
se comparada ao processo civil. Neste, revel o suplicado, os fatos alegados
serão tidos como verdadeiros, ante a ausência de contestação (art. 341 do
Código de Processo Civil – Lei nº 13.105/2015). No processo penal, ao revés,
não se cogita da imposição da pena de confissão ao réu revel ou, em outras
palavras, a revelia do acusado não libera a acusação de fazer prova sobre o que
alega, nos termos do disposto no art. 156 do Codex. Mas, fincadas tais
premissas, não cabe afirmar que inexistiria revelia no processo penal. Esta
existe, tanto que poderia até culminar com a decretação da prisão do acusado[1]. Demais disso, a sua
ausência injustificada libera o juízo de intimá-lo para os atos subsequentes do
processo, em hipótese menos provável de ocorrer atualmente, em virtude da
concentração, em audiência única, de atos processuais.
PALAVRAS-CHAVE:
Direito processual penal brasileiro; revelia; Constituição Federal brasileira
de 1988; efeitos da revelia.
A origem etimológica da palavra revelia
advém do latim rebellis e corresponde à rebeldia, à contumácia[2], ao ato de se opor a algo.
No juridiquês, consiste na condição do réu, que, apesar de citado regularmente,
não comparece para o oferecimento da defesa, e a falta de contestação por parte
do réu em relação à ação proposta por este.
No Direito romano, a inatividade[3] do réu era vista como
desobediência. No período das legis actiones, o processo não se
instaurava senão com a presença de ambas as partes, por isso a ius in
vocatio, ou seja, o chamamento do réu, tinha sempre caráter firmemente
coativo (ARU, L. Il processo civil contumaciale. Studio di diritto romano. Roma: Anonima Romana, 1934. p.
15-6; RISPOLI, A. Il processo civile contumaciale. Milano:
Libraria, 1911. p. 229).
Percebe-se a curiosa redação da primeira
Tábua da Lei das XII Tábuas, que indicava bem a imprescindibilidade do
comparecimento do réu para o processo.
No Direito italiano, que em termos de
inatividade e extinção do processo influenciou nossa atual redação do art. 485,
incisos II e III, do CPC/2015 (principalmente com a redação do art. 201, inciso
V, do CPC/1939 e, posteriormente, com o art. 267, incisos II e III, do
CPC/1973), notava-se uma tendência em compreender a contumácia como um “fato
voluntário das partes”.
A principal justificativa para o abandono
dessas teorias voluntarísticas foi o constante interesse do Estado na rápida
solução do litígio, impondo uma marcha processual que não comportava mais
paradas ou retrocessos, tratava-se, portanto, da supremacia do interesse
público sobre o privado.
Os efeitos da revelia diferem conforme se
aplique seja no direito processual civil, seja no direito processual penal. No primeiro,
há efeitos materiais e formais, isto é, além de não ser mais intimado para os
posteriores atos do processo, com exceção da sentença condenatória, ainda vige
a presunção de veracidade dos fatos alegados pelo autor.
E, nesse derradeiro efeito, conhecido por
ser um efeito material, não é aplicável no processo criminal, posto que fere de
morte importantes princípios constitucionais que tutelam as garantias
individuais do réu durante o processo, além de corresponderem também aos
basilares princípios do processo penal acusatório, que possui entre as suas
características identificar o réu também como sendo titular de direitos, e não
apenas mero objeto de investigação, e, ainda, respeitar a sua presumida
inocência.
Outro importante direito é de permanecer
em silêncio para evitar eventual produção de provas contra si mesmo, também
conhecido como sendo o princípio da inexigibilidade da autoincriminação.
Portanto, a revelia, de forma íntegra e
absoluta, revela-se incompatível com o processo penal brasileiro, o que é
corroborado por doutrinadores como Aury Lopes Junior, que afirma não existir no
processo penal a revelia em seu sentido próprio; porém, apenas os seus efeitos
formais.
Relevante mencionar que, uma vez
concretizada a citação, o acusado resta vinculado ao processo, ou seja, devendo
participar de todos os atos do processo. E, se este for citado e deixar de
apresentar a resposta à acusação, ou mudar de endereço sem previamente
comunicar o juízo de seu novo endereço, o processo correrá à sua revelia.
O mesmo se dá quando o acusado, apesar de
notificado pessoalmente, deixar de comparecer a qualquer ato do processo sem a
devida justificativa.
Divide-se a revelia em dois aspectos:
materiais e formais. O primeiro consistente na inversão de cargas, ou seja,
serão presumidos como verdadeiros os fatos alegados pela acusação. E o segundo
aspecto, meramente processual, se trata apenas da não intimação do réu para os
atos posteriores até a sentença.
Frise-se que só se exige intimação para a
sentença quando essa for condenatória proferida no primeiro grau de jurisdição,
pois somente relativo a ela é que o acusado revel possui capacidade
postulatória para interpor recurso.
Portanto, no processo penal inexiste a
aplicação do efeito material da revelia, pois, de acordo com o princípio da
presunção de inocência, jamais o réu será tido a priori como culpado
antes que transite em julgado a sentença condenatória. Sendo assim, o único
efeito da revelia no processo penal é a não intimação do acusado para os demais
e posteriores atos do processo.
Observemos os casos de revelia mediante a
citação com hora certa, ex vi o art. 362 do CPP, parágrafo único, e,
quando o acusado não vier a comparecer para qualquer ato, nesse caso, será
nomeado defensor dativo, ou, então, caso o réu seja citado ou intimado
pessoalmente e vier a deixar de comparecer sem haver justo motivo ou, ainda, mudar
de residência sem previamente comunicar ao juízo de seu novo endereço, ex vi
o art. 367 do CPP, o MP deverá se desincumbir de seu ônus probatório; caso
contrário, o seu pedido condenatório poderá ser julgado improcedente, pois em
ambos os casos não se cogita em confissão ficta ou presumida no processo penal,
ocorrendo a consequente presunção de veracidade dos fatos alegados pelo autor.
A Lei nº 11.689/2008, art. 457, dispõe que
o julgamento do júri não será mais adiado, no caso de o acusado solto e for
intimado não vier a comparecer ao julgamento, por isso não representa
impedimento para que se dê a suspensão do julgamento pela prática de crime
inafiançável e, assim, prosseguirá normalmente.
Sublinhe-se que, anteriormente, a
retromencionada lei não era possível em face do fato de o julgamento ter que
ser realizado perante ao acusado, isto é, na sua presença.
Convém diferenciar que, no processo civil
brasileiro, não dependem de provas os fatos alegados por uma parte e
confessados pela outra parte, ou, ainda, aqueles admitidos no processo como
sendo fatos incontroversos.
Diferentemente, no processo penal
brasileiro não serão presumidas as alegações como verdadeiras por serem afirmadas
pelo autor, mesmo que o réu não vier a contestar a ação, isto é, não há a
presunção de veracidade dos fatos afirmados pelo autor mesmo no caso de revelia.
E a razão de tal consequência se deve ao
respeito ao princípio da presunção de inocência, ainda que o acusado confesse a
autoria do delito, e subsiste o ônus da acusação em comprovar a imputação
constante em peça acusatória, a denúncia.
E, assim, ainda que a revelia venha a ser
decretada com base no art. 367 do CPP, o MP deverá cumprir o seu ônus[4] probatório; caso contrário,
o seu pedido condenatório poderá ser julgado improcedente.
Conclui-se que a única consequência da
revelia no processo penal é a desnecessidade de intimação do acusado para os
seguintes atos do processo até a sentença, pois essa deve ser realizada sob
qualquer circunstância, de acordo com o art. 392 do CPP, que prevê a intimação
do réu para a sentença. Isso se deve ao fato de o acusado permanecer com a
capacidade postulatória para interpor recurso, mesmo estando revel.
Entretanto, após decretada a revelia, as
intimações passarão a ser feitas apenas ao advogado, pois, conforme já
mencionado, o acusado não será mais notificado ou intimado para nenhum termo do
processo, com exceção da sentença.
Na hermenêutica dos Tribunais Superiores
pátrios, a intimação da sentença, a que se refere o art. 392 do CPP, só é
exigível quando se tratar de sentença condenatória de primeiro grau de jurisdição,
por isso é só nesse caso que o réu tem capacidade postulatória para interpor
recurso.
Dessa forma, em caso de decisão de segundo
grau de jurisdição ocorre com a publicação da decisão no órgão oficial de
imprensa, sem prejuízo da prerrogativa do defensor nomeado, prevista no art.
370, § 4º, do CPP.
Em qualquer momento que o acusado comparecer,
cessam-se os efeitos da revelia, e ele passa a participar normalmente do processo,
no estado em que ele estiver.
Existem várias teorias e correntes
doutrinárias que disputam a explicação sobre a natureza jurídica[5] da revelia. E, a primeira
destas, foi penal, a qual entendia a contumácia que até então era considerada
como sinônima de revelia e que consistia em rebelião contra o poder do juiz,
sendo um desacato à autoridade judiciária. E tal teoria permaneceu enquanto o
processo tinha caráter privatístico.
E, com a extinção da litis contestatio[6], ou seja, a obrigação da
presença física dos litigantes nos atos do processo deixou de ser indispensável
para que esse prosseguisse.
Então, passou a ser entendido que a
revelia não poderia impedir que o revel tivesse a proteção jurisdicional. E, a
partir dessa mudança, veio a teoria da renúncia, a qual postulava que a revelia
era uma renúncia ao direito de se defender.
Essa teoria foi muito criticada na época, porque
se o revel renunciou o seu direito de se defender, ele não poderia voltar a
juízo, pois, com isso, estaria revogando a sua declaração de vontade.
A teoria atual é a da inatividade de
Giuseppe Chiovenda[7],
inspirada na teoria da autodeterminação, que passou a encarar a revelia mais
objetivamente, desprezando o elemento subjetivo da voluntariedade para a
concretização desta, sendo analisado apenas o ato do não comparecimento do
acusado, independentemente da sua vontade de ser ou não contumaz.
Ou seja, a revelia deixa de ser analisada
subjetivamente, para ser analisada simplesmente, como inatividade.
No direito processual civil brasileiro, a
revelia é disciplinada como ato-fato processual, consistente na ausência de
apresentação da contestação tempestiva, isto é, se trata de um estado de fato
gerado pela ausência de contestação do réu no tempo certo.
Basicamente, possui dois efeitos: o
material, que consiste na inversão de cargas, ou seja, os fatos afirmados pelo
autor serão relativamente presumidos como verdadeiros, tal efeito é tido como
presunção de veracidade ou confissão ficta, os prazos contra o réu revel que
não tenha advogado constituído fluem a partir da publicação da decisão,
possibilidade de julgamento antecipado da causa; e o formal, em que o réu não
poderá alegar algumas matérias de defesa, exceto aquelas do art. 342 do CPC.
Frise-se que o efeito material da
presunção de veracidade foi mitigado pelo vigente Código de Processo Civil
(Código Fux), pois com sua entrada em vigor criou-se a necessidade de
verossimilhança dos fatos alegados pelo autor, e, para que haja tal presunção,
portanto, ela não equivale ao reconhecimento da procedência do pedido.
E formal, que consiste na desnecessidade
da intimação do réu para novos atos do processo, mas, a qualquer momento que
ele aparecer, poderá participar do processo dali em diante, e, na preclusão que
ocorre desfavorável ao réu, não poderá alegar algumas matérias de defesa,
exceto aquelas do art. 342 do CPC, que são as hipóteses em que é permitido o
réu alegar mesmo depois da contestação: “I – relativas a direito ou a fato
superveniente; II – competir ao juiz conhecer delas de ofício; III – por
expressa autorização legal, puderem ser formuladas em qualquer tempo e grau de
jurisdição”.
Com a revelia decretada, o réu revel
continua sendo intimado, só que na figura de seu patrono, para os atos
posteriores do processo. Já o prazo para o revel que não tem advogado
constituído fluirá da data de publicação do ato decisório no órgão oficial.
Portanto, os seus efeitos se restringem à
parte formal, como mostra o art. 367 do CPP: “O processo seguirá sem a presença
do acusado que, citado ou intimado pessoalmente para qualquer ato, deixar de comparecer
sem motivo justificado, ou, no caso de mudança de residência, não comunicar o
novo endereço ao juízo”.
Uma vez ajuizada a ação por meio da
queixa-crime, proposta pela vítima ou por seus sucessores, ou denúncia feita
pelo MP, o julgador promoverá a citação do réu, de acordo com o art. 396 do
CPP, para que ele tome ciência de que há contra ele uma imputação de uma
prática delitiva e no prazo de dez dias ofereça defesa.
No Código de Processo Penal brasileiro, as
formas de citação são: pessoal, por carta rogatória, por edital, carta
precatória, e, com a Reforma de 2008, foi instituída a citação por hora certa
pela Lei nº 11.719/2008.
Para ficar autorizada a citação com hora
certa, é indispensável que haja certeza de que o réu se oculta e, assim, o
oficial deverá fazer constar da certidão todas as diligências promovidas, dias
e horários, e quais os fatos que autorizaram a conclusão de que o acusado está
se ocultando.
A citação preferencialmente usada é a
pessoal, na qual o oficial de justiça entrega nas mãos do acusado o mandado.
Além do mais, não se admite citação entregue a procurador, a não ser que o
acusado seja inimputável, e, nesse caso, a citação será entregue ao curador.
Caso o réu não seja encontrado, será
utilizada a citação por edital, com o prazo de quinze dias. Já, se ele estiver
se omitindo para não ser encontrado, e isso se verifica quando o oficial de
justiça vai à residência do acusado algumas vezes e percebe que ele está se
ocultando para não ser citado, será aplicada a citação por hora certa.
No caso de citação por carta precatória, ela
é usada para comunicar o réu que esteja em outra comarca, enquanto a carta
rogatória é usada para comunicar o réu que esteja em outro país.
No caso de o acusado ter sido pessoalmente
citado, e deixe de comparecer à audiência, sem haver motivo justificado, ou não
comunique o seu novo endereço ao juízo, no caso de mudança de residência, o
processo criminal seguirá sem a devida participação do réu, concretizando a
revelia.
Diante da citação ficta, por meio de
edital ou por hora certa, será nomeado um defensor dativo, posto que o julgador
poderá determinar a produção de provas urgentes, e esse defensor acompanhará
toda a produção probatória, conforme prevê o art. 366 do CPP.
Caso o acusado esteve ausente para a
citação ou foragido, a presença do defensor é obrigatória para a instrução do
feito ou para a realização de provas consideradas urgentes. Nesse sentido,
Tourinho Filho (2008) assevera que
se o acusado,
citado por edital, não comparecer, nem constituir advogado, ficarão suspensos o
processo e o curso do prazo prescricional, podendo o juiz determinar a produção
antecipada das provas consideradas urgentes e, se for o caso, decretar prisão
preventiva, nos termos do disposto no art. 312 do CPP.
Entretanto, no processo penal vigente, não
há mais o extremo rigor de outros tempos, quando se proclamava que contumax
pro convicto et confesso habetur (o contumaz – o que não atende ao
chamamento – é tido e havido como confesso). Não.
É apenas esta: o réu não mais será
intimado de qualquer ato do processo (salvo condenação – art. 392), nem
notificado. O fato de ser ele tido como revel não significa deva ser
considerado culpado.
No mesmo sentido está o entendimento de
Eugênio Pacelli de Oliveira (2008):
Advirta-se que, em
processo penal, à revelia, verificada a partir da ausência injustificada do
acusado por ocasião da realização de qualquer ato relevante do processo, tem
como única consequência a não intimação dele para a prática dos atos
subsequentes, exceção feita à intimação da sentença, que deverá ser realizada sob
quaisquer circunstâncias.
Destaque-se ainda que a revelia no
processo penal significa a quebra da fiança, isto é, a perda de metade do valor
pago a título de fiança, e, mesmo que seja absolvido, ao final do processo
criminal, não se dará a devolução do integral do valor pago a título de fiança,
vide arts. 338 e 339 do CPP.
Não há de se cogitar em presunção de
veracidade de fatos em caso de ausência do réu, como ocorre no processo civil
brasileiro vigente, vez que, ainda que haja a condenação, tal decisão judicial
deverá ser fundada em constantes provas nos autos, em razão da ampla defesa e
do contraditório.
Também não ocorre a inversão do ônus da
prova, e há ainda o direito ao silêncio e de não produzir provas contra si
mesmo, o que impede os efeitos materiais da revelia no processo criminal.
Corrobora tal entendimento o doutrinador
Nestor Távora (2015), que afirma que não há hipótese de efeito material da
revelia, pois a presunção de veracidade dos fatos acusatórios pode se defrontar
com jus libertatis, que é princípio inadiável e indisponível.
A não ocorrência dos efeitos materiais da
revelia no processo penal enfrenta resistências, como a de Guilherme de Souza
Nucci (2017), ressaltando que o réu citado, que não comparece para ser
interrogado, não se interessando por sua defesa, como os direitos são sempre
indisponíveis, nesse caso, terá defensor nomeado pelo juiz, nos termos do art.
261 do CPP.
Portanto, o que ocorre na esfera penal é a
simples ausência do processo, consequência natural do direito de audiência. O
réu pode acompanhar a instrução pessoalmente, mas não é obrigado. É
indispensável a presença de seu defensor, e, ainda que seja ad hoc, não
poderá ser considerado revel.
In litteris,
leciona Aury Lopes Júnior (2017): “Não existe, no processo penal, revelia em
sentido próprio. A inatividade processual (incluindo a omissão e a ausência)
não encontra qualquer tipo de reprovação jurídica. Não conduz a nenhuma
presunção, exceto a de inocência, que continua inabalável”.
Devem estar presentes o Ministério Público
e o defensor dativo caso haja a necessidade de práticas instrutórias de
natureza urgente, principalmente relativa a provas periciais e testemunhais.
Outro detalhe necessário a ser ressaltado
é que, com base no art. 366 do CPP, o juiz pode decretar prisão preventiva,
desde que estejam presentes os requisitos presentes nos arts. 312 e 313 do CPP[8], pois, devido a sua natureza
cautelar, ela é uma medida de urgência.
Deve-se esclarecer que o processo não fica
suspenso para sempre, mas o prazo para perdurar essa suspensão encontra o seu
limite nos prazos previstos para o reconhecimento da prescrição da pena in
abstrato, conforme está previsto no art. 109 do CP.
Nesse mesmo sentido, o STJ corrobora tal
pensamento com a Súmula nº 415: “O período de suspensão do prazo prescricional
é regulado pelo máximo da pena cominada”[9].
Pairou dúvida diante da nova redação que
poderia ser aplicável em processo em andamento por crimes praticados
anteriormente à Reforma do CPP de 2008, e ainda se questiona se seria possível
a retroação in mallam partem, ou seja, a prejuízo do réu.
Foi decidido que esse dispositivo não
seria aplicado a crimes passados. O STF, reconhecendo a ligação com o direito
material, firmou a não aplicação desse dispositivo a crimes já ocorridos, sendo
a justificativa de que tal aplicação seria prejudicial não é exata, pois para
isso é necessário conferir o caso concreto.
O art. 366 do CPP não se aplica a crimes de
lavagem de dinheiro, por haver na sua lei o art. 2º, § 2º, que prevê a não
aplicação do art. 366 do CPP, embora parte da doutrina considere essa não aplicação
inconstitucional.
Tal artigo, existente na Lei de Lavagem de
Dinheiro[10],
tem foco nas condições pessoais dos agentes que praticam a criminalidade macroeconômica,
sendo, portanto, injustificável um “tratamento desigual destinado aos acusados de
crime de lavagem”.
É interessante acrescentar a prisão
preventiva, que, mesmo na hipótese de o acusado não comparecer e não constituir
advogado, ela não ocorre de maneira automática, pois esse tipo de prisão não
ocorre se a infração for contravenção ou crime culposo.
A preventiva ao revel deve ser motivada
como em qualquer outro caso, com base nos arts. 312 e 313 do CPP. Repara-se que
no processo penal pátrio não existe distribuição de cargas probatórias, pois o
réu é presumidamente inocente, assim, não tem, a princípio, qualquer dever de
atividade processual.
E, além disso, da sua inércia, deverá
acarretar prejuízo jurídico-processual. E, dessa forma, toda a carga estará em mãos
do acusador.
E, de outro viés, é inegável que existe
por parte do réu a assunção de riscos decorrentes de sua inércia, e, quando
surge uma oportunidade, nas diferentes situações processuais que poderão ser
probatórias ou defensivas, não se atribui nenhuma carga ou ônus, senão apenas
riscos.
É inegável que existe para o réu a
assunção de riscos inerentes e decorrentes de sua inércia, quando assim, o não
agir probatório como no caso do exercício do direito ao silêncio, e se recusa a
participar de acareação, de reconhecimentos e, etc., isto não conduz a nenhuma
punição processual a elisão da presunção de inocência. Não existe propriamente
dever de agir para o réu ou acusado, para que seja punido em decorrência dessa
omissão.
Assim, o art. 367 do CPP permite que o
processo prossiga sem a presença do réu citado, e essa omissão processual gera
apenas riscos. Não se trata de prejuízo processual, pois não possui carga, de
modo que não se pode presumir nada diverso de sua inocência.
Portanto, não há que se cogitar de revelia
no processo penal, pelo menos no sentido próprio da palavra, incluindo omissão
e ausência, não encontrando nenhuma reprovação jurídica.
Ressalte-se que a presença técnica, ainda
que o acusado esteja ausente (ou seja, o citado não comparece, nem constitui
defensor), é uma imposição inarredável, fruto de uma opção constitucional por
um procedimento em contraditório, que a produção dos efeitos.
Nesse sentido, endossa Nucci (2017) que
desconsidera a existência da revelia no direito processual penal, argumentando
que o réu que é citado e não comparece para oferecer defesa, por tratar-se de
direitos indisponíveis, será nomeado ao mesmo defensor, o qual deverá realizar a
sua defesa de forma eficiente, sob pena de ser substituído por determinação
judicial.
Vale lembrar que a revelia confronta com o
princípio contido no art. 5º, LVII, da CF/1988: “Ninguém será considerado
culpado até o trânsito em julgado da sentença condenatória”.
Como se refere Capez: (2001): “Vemos uma
aplicação prática deste princípio na proibição expressa de execução provisória
na legislação brasileira, pois em regra toda prisão deve acontecer após o
trânsito em julgado”.
Porém, o STF modificou o seu
posicionamento a respeito deste tema recentemente, relativizando esse
princípio, pois o seu órgão pleno deliberou que, após confirmação da condenação
penal por tribunal, no segundo julgamento, pode iniciar a execução de pena de
forma provisória, antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória.
Tal julgado foi oposto aos entendimentos
antes firmados, que somente admitia a prisão provisória se comprovado o
requisito da cautelaridade, quesito presente no art. 312 do CPP e é visto como
um subprincípio da necessidade.
Esse julgado foi alvo de várias críticas
doutrinárias, pois confronta com o princípio da presunção de inocência.
No entanto, o STF reconheceu a reafirmação
da jurisprudência, afirmando que a execução provisória de pena[11] não ofende o princípio de
presunção de inocência, nem o art. 283 do CPP, que expressa a seguinte norma:
Ninguém poderá ser
preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da
autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória
transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude
de prisão temporária ou prisão preventiva. (Redação dada pela Lei nº 12.403, de
2011)
§ 1º As medidas
cautelares previstas neste Título não se aplicam à infração a que não for
isolada, cumulativa ou alternativamente cominada pena privativa de liberdade.
(Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011).
§ 2º A prisão
poderá ser efetuada em qualquer dia e a qualquer hora, respeitadas as
restrições relativas à inviolabilidade do domicílio. (Incluído pela Lei nº
12.403, de 2011).
O princípio da presunção de inocência se
dissemina por todo processo penal brasileiro, de modo que deve haver redobrado
cuidado para tomar medidas cautelares durante a persecução penal, tais como a
quebra de sigilo bancário, fiscal e telefônico, a busca e apreensão domiciliar,
ou até a simples apresentação do indiciado ou réu na mídia social ou nos meios
de comunicação, pois é possível o prejuízo à sua imagem e até de sua família.
Outra questão, a revelia não mancha a
presunção de inocência, pois não ocorre a incidência dos efeitos materiais da
revelia.
É inegável que existe, por parte do réu, a
assunção de riscos decorrentes de sua inércia. Um bom exemplo é quando o art. 367 do CPP permite que o
processo prossiga sem a presença do réu citado, e essa omissão processual gera
apenas riscos.
Não
se trata de prejuízo processual, pois não possui carga, de modo que não se pode
presumir nada diverso de sua inocência. Portanto, não há que se cogitar de
revelia no processo penal, pelo menos no sentido próprio da palavra, incluindo
omissão e ausência, não encontrando nenhuma reprovação jurídica .
Uma vez que admitir a revelia e os seus
efeitos seria absolutamente incompatível com o processo penal contraditório.
A
presença técnica, ainda que o acusado esteja ausente (ou seja, o citado não
comparece, nem constitui defensor), é uma imposição inarredável, fruto de uma
opção constitucional por um procedimento em contraditório, que a produção dos efeitos .
Delmanto Júnior (2004) complementa:
Sua aplicação
afigura-se por si só, totalmente assegurados da ampla defesa e do silêncio[12], de outro. Pois à revelia
no penal não constitui uma censura ou verdadeiro prejuízo ao réu que não
comparece ao interrogatório ou por exemplo: não permite que lhe seja extraído
material genético para que seja realizada a perícia.
Pode-se concluir que geraria um processo
penal contumácia, totalmente incompatível com o contraditório, assegurado no
inciso LV do art. 5º da CF/1988 e com respaldo no art. 261 do CPP. Frisa-se o
caráter irrenunciável e indisponível da defesa técnica, postulando que, se o
réu estiver desprovido de advogado, ainda que seja revel, deverá o juiz nomear
um defensor dativo ou público. Caso essa norma não seja cumprida, o processo
será contaminado de nulidade absoluta, por afronta à ampla defesa (art. 564,
III, c).
Em consonância com tal pensamento, temos a
Súmula nº 708 do Supremo: “É nulo o julgamento da apelação se, após a manifestação
nos autos da renúncia do único defensor, o réu não foi previamente intimado para
constituir outro”.
Tal nulidade se dá devido ao direito que o
acusado tem de escolher o seu próprio advogado, e esse direito constitui um
desdobramento do princípio da ampla defesa.
Portanto, perante a renúncia do único
defensor, o juiz não pode nomear outro defensor, pois tal nomeação só é
possível mediante a inércia do acusado quando intimado regularmente, e não
constitui advogado, nem realiza a sua autodefesa, caso tenha habilitação para
tal.
Lembremos do vigente texto constitucional
brasileiro: “Aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos
acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os
meios e recursos a ela inerentes” (art. 5º, LV, da CF/1988); “Ninguém será
privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal” (CF/1988,
art. 5º, LIV).
Portanto, desdobra-se em dois aspectos: a
defesa técnica, exercida por profissional habilitado (indispensável – CPP, art.
261); e a autodefesa, desempenhada pela própria parte (dispensável a critério
do acusado), e que se manifesta no interrogatório, no direito de audiência com
o juiz (audiência de custódia e comparecimento em juízo), na possibilidade de
interpor, por si, recurso, etc. A própria ausência, leciona Fernando Capez,
poderá ser tida pelo acusado como a forma de defesa mais adequada à situação concreta.
É indispensável, todavia, sob pena de
nulidade absoluta, que ele seja validamente citado ou, então, intimado a
comparecer em juízo, deixando-se a sua discricionariedade a análise da
conveniência de fazê-lo ou não, pois essa é a própria essência da autodefesa.
O julgamento não será adiado pelo não
comparecimento do acusado solto, do assistente ou do advogado do querelante,
que tiver sido regularmente intimado (art. 457, § 1º), e, no caso da não
condução do acusado preso, admite-se o adiamento do julgamento, autorizando-se,
no entanto, o pedido de dispensa de comparecimento subscrito por ele e o seu
defensor (art. 457, § 2º).
Com isso, passou-se a admitir o julgamento
sem a presença do acusado preso, propiciando a ele, juntamente com o seu
defensor, a discricionariedade na análise da conveniência ou não de comparecer
a esse ato.
Saliente-se ainda que não é dado ao juiz,
no caso de ausência injustificada do réu validamente cientificado, decretar-lhe
a prisão preventiva, em vez de mandá-lo conduzir a sua presença, visto que o
encarceramento provisório possui pressupostos próprios, de natureza cautelar.
A partir das alterações promovidas pela
Lei nº 10.792/2003, o Código de Processo Penal passou a prever expressamente o
seguinte:
Art. 186. Depois
de devidamente qualificado e cientificado do inteiro teor da acusação, o
acusado será informado pelo juiz, antes de iniciar o interrogatório, do seu
direito de permanecer calado e de não responder perguntas que lhe foram
formuladas.
Parágrafo único. O
silêncio, que não importará em confissão, não poderá ser interpretado em
prejuízo da defesa.
Sobre isso, falaremos mais por ocasião do
interrogatório.
Se regularmente citado ou validamente
intimado a comparecer em juízo, o réu deixar de fazê-lo sem motivo, o processo
seguirá à sua revelia, tornando-se desnecessário proceder a sua posterior
intimação para qualquer ato do processo, salvo da sentença.
O mesmo efeito verificar-se-á na hipótese
de o réu, depois de citado, mudar de residência ou dela ausentar-se por mais de
oito dias, sem comunicar à autoridade processante o lugar onde possa ser
encontrado. O subsequente comparecimento do acusado enseja a revogação da
revelia.
Em face dos princípios aduzidos supra
(direito ao silêncio[13], devido processo legal),
conjugados com o da presunção de inocência, fácil é notar que a revelia no
processo penal não possui os mesmos efeitos do processo civil, porquanto não
importa confissão ficta.
Em caso de citação por edital e posterior
desatendimento do chamamento a juízo, sem constituição de defensor, o processo
e o prazo prescricional da pretensão punitiva serão suspensos, podendo o juiz
determinar a produção antecipada de provas urgentes, bem como decretar prisão
preventiva, desde que presentes, neste último caso, os requisitos do art. 312
do Código de Processo Penal (cf. CPP, art. 366).
Convém ressalvar que, no caso em que o réu
se oculta para não ser citado, o oficial de justiça certificará a ocorrência e
procederá à citação com hora certa, na forma estabelecida nos arts. 251 a 254
do CPC, não havendo mais que se cogitar em citação por edital, com os efeitos
do art. 366 (cf. CPP, art. 362).
No caso, completada a citação com hora
certa, se o acusado não comparecer, ser-lhe-á nomeado defensor dativo, devendo
o processo tramitar sem a sua presença (CPP, art. 362, parágrafo único).
Verifica-se a
jurisprudência, in litteris:
Não é aceitável
que o acusado, após a mudança de endereço sem informar ao juízo, venha a arguir
a nulidade em razão da revelia, porquanto a vedação ao comportamento
contraditório (venire contra factum proprium) aplica-se a todos
os sujeitos processuais do Direito Processual Penal. (STF, data da decisão: 28.02.2023 )
A regra que veda o comportamento
contraditório (venire contra factum proprium) aplica-se a todos os
sujeitos processuais. Não é aceitável, portanto, que, após o desinteresse em
acompanhar o processo, com a mudança de endereço sem informar o endereço ao juízo,
venha o acusado agora arguir a nulidade da revelia.
Outra jurisprudência, in verbis:
01.04.2020 – Juntada
de Acórdão (Desembargador Eugenio Achille Grandinetti – 3ª Câmara Criminal),
TJPR, Ata do Julgamento: 21.04.2020, Data da Publicação: 21.04.2020
Ementa
Apelação crime.
Receptação (art. 180, caput, do CP). Sentença condenatória. Tese de
nulidade por ausência de intimação pessoal do acusado para a audiência de
instrução e julgamento. Inocorrência. Réu que não atualizou o endereço após
citação pessoal. Correta a decretação da revelia. Art. 367, CPP. Obrigação do
acusado de comunicar o juízo eventual mudança de endereço. Precedentes. Pleito
de absolvição. Descabimento. Ônus da prova que se inverte com a apreensão do
bem na posse do acusado. Conjunto probatório apto a ensejar a condenação.
Autoria e materialidade devidamente demonstradas nas provas coligidas nos autos.
Dolo suficientemente comprovado. Dosimetria escorreita. Desnecessidade de
qualquer alteração de ofício. Honorários advocatícios arbitrados em favor do
defensor dativo, com base na Resolução Conjunta nº 15/2019-PGE-Sefa, a serem
suportados pelo Estado do Paraná. Recurso conhecido e desprovido, com fixação
de honorários ao defensor nomeado.
Noutra jurisprudência, literalmente:
Nulidade em ação
penal por falta de citação do réu ainda que tenha havido participação de
advogado que atuou no inquérito.
Origem: STJ –
Informativo: 580
Ementa Oficial
PROCESSO PENAL.
RECURSO ESPECIAL. VIOLAÇÃO DO ART. 619 DO CPP. NÃO OCORRÊNCIA. INEXISTÊNCIA DE
CITAÇÃO PESSOAL OU POR MEIO DE EDITAL. PROCESSO QUE SE DESENVOLVEU ENTRE O
ADVOGADO CONTRATADO NA DATA DA PRISÃO EM FLAGRANTE, O JUIZ E O PROMOTOR. NÃO
COMPARECIMENTO DO ACUSADO A NENHUM DOS ATOS DO PROCESSO. INEXISTÊNCIA DE PROVA
INEQUÍVOCA DA CIÊNCIA DA DENÚNCIA. DECLARAÇÃO DA NULIDADE, DE OFÍCIO, PELO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA. POSSIBILIDADE. PREJUÍZO À AUTODEFESA. RECURSO ESPECIAL DO
MINISTÉRIO PÚBLICO NÃO PROVIDO.
1. Não ocorre a
violação do art. 619 do CPP quando o acórdão, apesar de contrário à pretensão
da parte, se manifesta expressamente sobre a matéria controvertida.
2. Em matéria de
nulidade, aplica-se o princípio pas de mullet sans grief[14], segundo o qual não há
nulidade sem que o ato tenha gerado prejuízo para a acusação ou para a defesa,
o que, em alguns casos, pode ser evidente, por raciocínio lógico do julgador.
3. Deve ser
mantido o acórdão estadual que, de ofício, reconheceu a irregular constituição
do processo, desenvolvido sem a presença do réu, pois a citação pessoal foi
frustrada e, determinada sua realização por meio de edital, a diligência também
deixou de ser cumprida.
4. A citação é
pressuposta de existência da relação processual e sua obrigatoriedade não pode
ser relativizada somente porque o réu constituiu advogado particular quando foi
preso em flagrante. O fato de o juiz ter determinado a juntada, nos autos da
ação penal, de cópia da procuração outorgada ao advogado no processo apenso,
relacionado ao pedido de liberdade provisória, bem como que o causídico
apresentasse resposta à acusação, não supre a falta de citação e nem demonstra,
sem o comparecimento espontâneo do réu a nenhum ato do processo, sua ciência
inequívoca da denúncia e nem que renunciou à autodefesa.
5. O prejuízo para
a ampla defesa foi registrado no acórdão estadual, não havendo falar em
violação do art. 563 do CPP. A ampla defesa desdobra-se na defesa técnica e na
autodefesa, esta última suprimida do réu, pois não lhe foram oportunizadas
diversas possibilidades, tais como a presença em juízo, o conhecimento dos
argumentos e conclusões da parte contrária, a exteriorização de sua própria
argumentação em interrogatório etc.
6. Recurso
especial não provido.
(REsp 1580435/GO, 6ª
Turma, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, J. 17.03.2016, DJe 31.03.2016)
Na verdade, não é erro, e sim sugestão de
adicionar o seguinte julgado do STF de 2017 com situação semelhante, mas que se
diferencia pelo fato de que houve a citação por edital (seria interessante a
inclusão, pois no MPE-PI foi cobrada questão atinente a esse julgado do STF e nos
concursos ensejou bastante discussão, pois o raciocínio da maioria foi no
sentido do julgado do STJ do Info 580).
E, novamente, a jurisprudência nos ensina:
PENAL E PROCESSO
PENAL. HABEAS CORPUS. IMPETRAÇÃO SUBSTITUTIVA DO RECURSO PRÓPRIO. NÃO
CABIMENTO. HOMICÍDIO. ACUSADO CITADO POR EDITAL. ADVOGADO REGULARMENTE
CONSTITUÍDO NOS AUTOS. RENÚNCIA DOS PODERES 3 (TRÊS) MESES APÓS O RECEBIMENTO
DA DENÚNCIA. SUSPENSÃO DO PROCESSO E DO PRAZO PRESCRICIONAL. INAPLICABILIDADE
DO ART. 366 DO CPP. NOMEAÇÃO DA DEFENSORIA PÚBLICA PARA PATROCINAR A DEFESA DO
ACUSADO. IMPOSSIBILIDADE DE INTIMAÇÃO PESSOAL DO ACUSADO PARA CONSTITUIR NOVO
DEFENSOR. AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE.
1. A Primeira
Turma do Supremo Tribunal Federal e as Turmas que compõem a Terceira Seção do
Superior Tribunal de Justiça, diante da utilização crescente e sucessiva do habeas
corpus, passaram a restringir a sua admissibilidade quando o ato ilegal for
passível de impugnação pela via recursal própria, sem olvidar a possibilidade
de concessão da ordem, de ofício, nos casos de flagrante ilegalidade.
2. A teor do art.
366 do CPP, a suspensão do processo penal e do prazo prescricional, somente é
possível quando o acusado, após citado por edital, não comparece e não
constitui advogado nos autos.
3. No caso, embora
o paciente tenha sido citado por edital, constituiu, desde a fase
inquisitorial, advogado nos autos com amplos poderes, o que demonstra que
conhecia da imputação contra ele dirigida.
4. A renúncia do
advogado deu-se 3 (três) meses após o recebimento da denúncia, inexistindo
ilegalidade na decisão do Juízo de primeiro grau que determinou o
prosseguimento do feito com a nomeação da Defensoria Pública para patrocinar a
defesa do acusado, uma vez que não seria possível intimá-lo pessoalmente para
constituir defensor de sua confiança, tendo em vista encontrar-se em lugar
incerto e não sabido. 5. Habeas corpus não conhecido.
(HC 338.540/SP, 5ª
Turma, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, J. 14.09.2017, DJe 21.09.2017)
Há, inclusive, doutrinadores que entendem
que decretar o réu como revel no processo penal é incompatível com a
Constituição Federal.
Além disso, é importante ressaltar que a
revelia no processo penal não implica a ausência de defesa. Mesmo na condição
de réu revel, o acusado ainda tem o direito de ser representado por um
defensor, seja um advogado particular ou um defensor público nomeado pelo
tribunal.
A
revelia em situações específicas, conforme estabelecido pelo Código de Processo
Penal (CPP] ). Vejamos algumas
circunstâncias em que se pode decretar a revelia:
Art. 366 do CPP: Estabelece
que caso o acusado citado por edital não compareça nem constitua advogado, o
juiz ordenará a suspensão do processo e do curso do prazo prescricional,
podendo determinar a produção antecipada das provas consideradas urgentes e, se
for o caso, decretar prisão preventiva;
Art. 367 do CPP: Pode-se
decretar a revelia quando o acusado, mesmo sendo citado ou intimado
pessoalmente para qualquer ato, deixa de comparecer sem motivo justificado.
É possível contestar a revelia quando a
sentença for proferida sem que tenha sido citado o réu, ou em um caso em que a
citação foi inválida, ou infrutífera, podendo o réu propor demanda autônoma
para impugnar a sentença.
REFERÊNCIAS
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G. T. Inatividade das partes no processo civil brasileiro. Coleção
Eduardo Espínola. Disponível em:
https://juspodivmdigital.com.br/cdn/arquivos/2842_previa-do-livro.pdf. Acesso
em: 9 fev. 2024.
BRASIL. STJ. Súmula nº 415 do STJ
– “A decisão que determina a produção antecipada de provas com base no art. 366
do CPP deve ser concretamente fundamentada, não a justificando unicamente o
mero decurso do tempo”.
BRASIL. Súmula nº 415 – O
período de suspensão do prazo prescricional é regulado pelo máximo da pena
cominada. DJ 16.12.2009.
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FILHO, G. J. R. Curso de direito processual civil. 2. ed. São Paulo:
Saraiva, 1950.
TUCCI,
R. L. Da contumácia no processo civil brasileiro. São Paulo: José
Bushatsky, 1964.
[1] A 6ª Turma do Superior Tribunal de
Justiça (STJ) decidiu que a revelia de réu não basta para que seja decretada a
prisão preventiva dele. A pessoa denunciada por crime tem o direito de não
comparecer a interrogatórios e cabe a ela decidir se quer suportar as
consequências de não participar dos atos processuais e da construção da
sentença. Processo(s) relacionado(s): STJ, HC 104617.
[2] “Contumácia, ou revelia, é o não
comparecimento em juízo da parte - autor, réu, ou ambos, - omitindo-se
totalmente na efetivação de suas pretensões.” (TUCCI, R. L. Da contumácia no
processo civil brasileiro. São Paulo: José Bushatsky, 1964. p. 97; PASSOS,
J. J. C. de. Da revelia... cit., p. 13-14; REZENDE FILHO, G. J. R. Curso
de direito processual civil. 2. ed. São Paulo: Saraiva, v. II, 1950. p. 124).
[3] A inatividade da parte deve ser
encarada como a não observância de um ônus – imperativo do próprio interesse –
que acarreta uma desvantagem, excluindo-se, ao menos a priori, o caráter
subjetivo da omissão. Em um primeiro momento, não importa a voluntariedade da
ausência, o que realmente interessa é a verificação do fato dessa ausência no
processo.
[4] O ônus difere do dever, pois este
seria um imperativo fixado para a satisfação de interesse alheio ou público. A
não observância de um dever implica um ilícito, importando em uma sanção
jurídica, quando a não observância de um ônus implica tão só em efeitos
econômicos negativos. O ônus e o dever têm em comum o elemento formal,
consistente no vínculo à vontade, mas divergem no elemento substancial, na
medida em que neste o vínculo é posto para satisfação do interesse alheio,
enquanto naquele é posto para satisfação do interesse próprio.
[5] No magistério de Guilherme
Tambarussi Bozzo e Eduardo Espínola, o termo “revelia” também é igualmente
equívoco. Alguns autores entendem se tratar apenas da inatividade do réu em
contestar ou responder. Outros, mais antigos, utilizam o termo revelia tanto
para a inatividade do autor quanto para a inatividade do réu. Etimologicamente,
todavia, o termo deriva do latim rebellis, ou seja, rebelde,
desobediente. A desvantagem da compreensão etimológica é remeter o estudioso
aos problemas da vontade na omissão dos atos processuais.
[6] Para a adequada compreensão do
significado da litis contestatio no processo romano, é necessário
analisar individualmente cada um dos sistemas processuais que se sucederam na
época – as legis actiones, o processo formular e a cognitio extra
ordinem.
[7] Tal tese é reforçada pela atual
previsão do art. 485, § 6º, do CPC/2015, no sentido de ser possível ao réu
optar entre a extinção ou a prosecuzione do processo, como já ocorria por
meio da Súmula nº 240 do STJ.
[8] Segundo a Relatora, a prisão preventiva
só pode ser decretada quando forem preenchidos os requisitos do art. 312 do CPP,
e não como decorrência automática do art. 366. Ela avaliou que, a não ser a
gravidade do crime, não há demonstração concreta de que, solto, o denunciado
colocará em risco a ordem pública. Processo(s) relacionado(s): STJ, HC 104617.
[9] Conclui-se que, decorrido o tempo
máximo de suspensão, para o réu revel citado por edital, nos termos da Súmula nº
415 do Superior Tribunal de Justiça, deve ser retomado apenas o curso do prazo
prescricional, mantendo-se a suspensão do processo, pois determinar o
prosseguimento da marcha processual sem a citação pessoal do réu seria albergar
um abrandamento dos princípios constitucionais do contraditório e da ampla
defesa, o que não pode ser admitido no Estado Democrático de Direito.
[10] A Lei nº 9.613, de 1998, descreve
o crime de “lavagem” ou ocultação de bens, muito conhecido como lavagem de
dinheiro, que consiste no ato de ocultar ou dissimular a origem ilícita de bens
ou valores que sejam frutos de crimes. A denominação de lavagem de dinheiro
surgiu, pois o dinheiro adquirido de forma ilícita é sujo, e necessita ter uma
aparência de legalidade, ou seja, precisa ser lavado para parecer limpo. Um
exemplo desse tipo de crime é a compra, com dinheiro ilícito, de obras de arte
ou produtos de luxos para revendê-los em seguida, para dar a aparência de uma
operação comercial legal. A pena prevista é de 3 até 10 anos de reclusão e
multa. A Lei prevê penas maiores para os casos nos quais o crime ocorra de
forma reiterada ou por intermédio de organização criminosa.
[11] De forma geral, podemos dizer que
a execução provisória é aquela que executa a pena provisoriamente, ou seja, o
juiz do conhecimento manda cumprir a decisão judicial condenatória não
transitada em julgado enquanto ainda se aguardam o julgamento de recursos e a
chegada de uma decisão certa, definitiva. O Supremo Tribunal Federal, no
julgamento das Ações Declaratórias de Constitucionalidade nºs 43, 44 e 54,
modificou o entendimento até então vigente, para firmar orientação no sentido
de que a prisão, para fins de cumprimento de pena, somente é permitida após o
trânsito em julgado da sentença penal condenatória, salvo se presentes os
requisitos do art. 312 do Código de Processo Penal, quando, então, poderá ser
decretada a prisão preventiva (Acórdão nº 1269675, 00147318820178070016, 3ª
Turma Criminal, Rel. Demetrius Gomes Cavalcanti, J. 06.08.2020, DJE 17.08.2020).
[12] No âmbito penal,
corroborando os abusos no exercício de um direito, abstraem-se as disposições
dos excessos das excludentes de ilicitude. Um exercício irregular de um
direito, como uma legítima defesa exercida além de seus limites. Sobre o
excesso, os resultados que dizem respeito às condutas praticadas nos limites
permitidos por essa excludente estão amparados por essa causa de justificação;
os outros resultados que surgiram em virtude do excesso, por serem ilícitos,
serão atribuídos ao agente, que por eles terá que ser responsabilizado. Tais
excessos poderiam ser dolosos ou culposos: mas sempre imputáveis ao agente que
incorreu no excesso, ou seja, abusou dos limites das excludentes entregues pela
lei. No processo penal, há algumas pessoas que não poderão fazer uso do direito
previsto ao réu, direito esse que possui caráter constitucional. Há, no
ordenamento jurídico, previsão normativa da obrigação de falar. Mais: obrigação
de dizer a verdade, em um interrogatório, sob pena de incorrer em crime.
[13] A origem do direito ao silêncio ou
do direito de não autoincriminação emana da presunção de inocência: “Tais
conseqüências – direito individual de não produzir provas contra si mesmo, de
um lado, e obrigação estatal de não tratar qualquer pessoa como culpada antes
do trânsito em julgado da condenação penal, de outro – qualificam-se como
direta emanação da presunção de inocência, hoje expressamente contemplada no
texto da vigente Constituição da República (CF/1988, art. 5º, inciso LVII). A
máxima latina nemo tenetur prodere se ipsum, conexa à nemo tenetur se
detegere, não possui suas origens no direito romano, mas sim no Ius
Commune europeu. O direito da Europa Medieval – Ius Commune – era um
direito culto, formado por dois direitos: i) o direito civil, originário das
compilações do Corpus Iuris Civile de Justiniano; ii) o direito
canônico, cujos ditames estavam nas coleções que viriam a formar o Corpus
Iuris Canonici. A princípio, o direito canônico se destinava à
administração interna da Igreja Católica Apostólica Romana. Entretanto,
gradualmente, sua jurisdição estendeu-se para atingir: i) objetivamente,
qualquer matéria concernente à fé; e ii) subjetivamente, qualquer leigo que possuísse
relação com a Igreja”.
[14] Trata-se, então, de se voltar a
atenção não aos efeitos jurídicos dos atos processuais, mas sim às finalidades
alcançadas, mesmo por efeitos jurídicos diversos, inesperados, imprevisíveis ou
colaterais dos atos questionados. Pas de nullité sans grief não
significa que a nulidade só será declarada se for demonstrado o prejuízo. O seu
sentido é outro. Quer dizer que não se declara a nulidade se for possível
demonstrar a inocorrência de prejuízo.
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