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Discurso Jurídico do Supremo Tribunal Federal. Metáforas e ficções jurídicas.

 

Discurso Jurídico do Supremo Tribunal Federal.

Metáforas e ficções jurídicas.

 


 

Identifica-se a ocorrência de uma metáfora conceitual Direito é Guerra nas decisões exaradas pela mais alta corte de justiça pátria, principalmente, no âmbito do Direito Constitucional, Civil e Administrativo. 

Nota-se, igualmente, os pressupostos teóricos de Louis Althusser, Michel Pêcheaux, Lakoff e Johnson, Habermas, Tony Sardinha e tantos outros doutrinadores que usaram de métodos estatísticos, num estudo empírico sobre a metáfora conceitual e ainda outras metáforas licenciadas livremente dentro do discurso jurídico contemporâneo.

Entendemos que o Direito em face de suas idiossincrasias e relevância dentro do atual momento civilizatório, merece um olhar mais aguçado dos pesquisadores de todas as áreas das ciências humanas, especialmente, nos discursos jurídicos[1] que são urdidos e compostos de metáforas que permeiam todas as construções e ficções do direto e sobre as quais o aparelho repressor e reprodutor de ideologias no seio da sociedade.

Acerca do emprego da metáfora conceitual “Direito é guerra”, na jurisprudência da mais alta corte de justiça do Brasil, o Supremo Tribunal Federal – STF, em decisões constitucionais, cíveis e administrativas, analisando-lhes a carga semântica transferida, a incidência e a relevância do emprego de types(palavras), tokens (variações)e expressões metafóricas licenciadas pela metáfora conceitual no período dos últimos 12 (doze) meses.

Louis Althusser[2] (1980) ao se referir ao Direito afirmou que está se referindo a um conjunto não somente normativo, mas também institucional, composto pela  Polícia, pelos Tribunais e as Prisões, bem como tudo o que o cerca, tal como os elementos da própria atividade normativa e jurisdicional do Estado.

O doutrinador destacou que o direito é o único elemento do Estado que tem dupla finalidade, ser aparelho repressivo e ideológico do Estado.

O Direito não apenas serve de organismo repressor que irá “vigiar e punir” (Foucault[3], 1987), defendendo o stablishment, a lei e a ordem a serviço do Capital, como também gestará e reproduzirá em seus mecanismos a ideologia do Estado, através dos discursos urdidos pelos diversos atores e operadores do Direito.

E, diante dessa realidade, é nesse momento que exsurge a Teoria do Agir Comunicativo, de Jünger Habermas[4] (1989), como uma possível resposta no sentido de ressignificar o Direito e  suas  estruturas  repressoras/reprodutoras,  numa  inegável  interconexão  entre  Direito  e  Linguagem, posto que não existe nem um nem o outro sem comunicação. Habermas situa o direito numa dupla tensão entre facticidade e validade, ou seja, entre o plano factual e o normativo. Trata-se de uma dupla tensão pois presente tanto internamente quanto externamente ao próprio direito.

Para Habermas (1989) além das representações ou suposições, os atos de fala produzem e renovam as relações interpessoais, tanto no mundo das interações sociais quanto na esfera de subjetividades.

E, assim foi que Habermas desenvolveu sua Teoria Discursiva do Direito[5], destacando pontos principais do Direito Continental Europeu, de família romana e, que está muito ligado ao Direito brasileiro.

Habermas destacou ainda o caráter subserviente do Direito ao Estado e, seu distanciamento do cidadão, denotando seu simples divórcio dos ideais de democracia.

Aliás, o Direito como meio organizacional de uma dominação política, referida aos imperativos funcionais de uma sociedade econômica diferenciada, o direito moderno continua sendo um meio extremamente ambíguo da integração social. Com muita frequência o direito confere a aparência de legitimidade ao poder ilegítimo.

À primeira vista, ele não denota se as realizações de integração jurídica estão apoiadas no assentimento dos cidadãos associados, ou se resultam de mera programação do Estado e do poder estrutural da sociedade; tampouco revela se elas, apoiadas neste substrato material, produzem por si mesmas a necessária lealdade das massas.

Cabe alertar sobre as origens e evolução da língua do Direito. E, nesse sentido, Pechêux (1990) estabelece a gênese da língua do Estado na Idade Média e que servia de barreira divisória a divorciar a massa daqueles que eram os únicos suscetíveis de compreender, o que se tinha a dizer, e fez referência à obra Régis Debray, "O Escriba: a gênese do político", que esclarece que o Estado e a Igreja, na Idade Média, ressuscitam e estabeleceram o latim como língua das "comunicações internacionais".

Não é sem razão que as bases do Direito são romanas, assim como o latim é idioma mais referido nas ficções e construções artificiais do Direito, como habeas corpus, habeas data, mandamus, inaudita altera partes, nemo potest venire contra factum proprium, sem esquecer outras expressões, máximas e brocardos latinos[6], como por exemplo, data maxima venia, a quo, ad quem, de cujus, eventum damni, etc.

A língua do Direito se traduz em plenos enunciados e códigos herméticos que não estão diretamente envolvidos na estrutura jurídica, se tratando de uma língua artificial, criada, desenvolvida e reproduzida com o único sentido de afastar a compreensão dos não iniciados, dos mecanismo do Direito. 

A jurisprudência registra vários precedentes em que as conclusões se basearam em brocardos jurídicos. Citam-se dois:

PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DECLARATÓRIOS. OBSCURIDADE. SENTENÇA E ACÓRDÃO EXTRA PETITA. INOCORRÊNCIA.– Cabe ao juiz aplicar aos fatos trazidos a norma jurídica que entende apropriada, conforme princípios emanados dos brocardos jurídicos jura novit curia e da mihi factum, dabo tibi jus.

(TRF3, REOMS 4710/SP 2000.61.09.004710-3, Rel. Eva Regina, 26/04/2004).Prestação de serviços educacionais. Contrato celebrado sob a égide do Código Civil de 1916. Aplica-se o prazo prescricional anuo do artigo 178, parágrafo 6º, inciso VII, do diploma civil anterior, não alterado pela Lei 9.870/99. Incidência do brocardo jurídico dormientibus non sucurrit jus. É de rigor a cobrança das mensalidades não abrangidas pela prescrição. Não formalizada a desistência por escrito, conforme cláusula expressa. Sucumbência recíproca. Recurso da autora parcialmente provido, para julgar parcialmente procedente a ação. (TJSP, CR 941086008, Rel. Campos Petroni, 30/01/2009)

Volkoff (1999) assinalou que a forma como as "línguas de madeira" utilizam figuras de linguagem para criar e reproduzir o aparato ideológico do Estado.

A antiga “língua de madeira” se utilizava de imagens linguísticas e figuras de retórica para realizar propaganda ideológica, como a alegoria, o eufemismo, a prosopopeia, a metonímia e metalepse. Utilizava-se do maniqueísmo simplista para exaltar suas próprias virtudes e ainda desmoralizar o inimigo.

E, segundo Volkoff (1999) relaciona a "língua de madeira" com a assertiva do então chefe da propaganda nazista do Terceiro Reich, Paul Joseph Goebbels, para o qual, "Não falamos para fizer alguma coisa, mas obter um determinado efeito". 

Voltando-se a proposta de Habermas (2003) que sugere romper com os atuais  paradigmas do Direito, e centrarmo-nos em novo paradigma no qual o Direito passaria a ser um poder democrático e participativo, servindo de médium para o debate democrático e a exposição racional de argumentos.

Nesse vetor, Habermas (2003) ressaltou a forma e funcionamento desse novo paradigma jurídico: " O   paradigma   jurídico   procedimental   procura   proteger,   sobretudo,   as   condições   do   procedimento democrático. Elas adquirem um estatuto que permite analisar, sob outra luz, os diferentes tipos de conflito.

Os lugares antes ocupados pelo participante privado do mercado e pelo cliente das burocracias do Estado de bem-estar social são assumidos por cidadãos que participam de discursos públicos, articulando e fazendo valer interesses feridos, e colaboram na  formação  de  critérios  para  o  tratamento  igualitário  de  casos  iguais  e  para  o  tratamento  diferenciado  de  casos  diferentes.

 [...]  O  fardo  dessa  legitimação  suplementar  poderia  ser  assumido pela obrigação de apresentar justificações perante um fórum jurídico crítico. Isso seria possível através da instauração de uma esfera pública jurídica capaz de superar a atual cultura de especialistas e suficientemente sensível para transformar as decisões problemáticas em foco de controvérsias públicas".

Observa-se que estamos distantes da utopia criada por Habermas, posto que inexequível no atual cenário internacional e atual estágio de evolução dos seres humanos, cada vez mais propensos à autodestruição.

Aliás, o rompimento do atual paradigma do Direito, não democrático, fleumático e subserviente ao Estado e ao Capital, demanda também expropriar o Direito de seu linguajar de madeira, expondo-lhes as entranhas e as formas como são urdidos seus discursos e estabelecendo as formas como sua ideologia belicosa é urdida e reproduzida nos textos escritos e orais que permeiam a prática dos tribunais".

Insta-nos, assim, apreender, dissecar e compreender o discurso jurídico, seja na análise crítica, ou através do estudo da jurisprudência que evidenciam o cognitivo e o imaginário dos operadores do Direito, como forma de contribuir para a quebra de paradigma proposta por Habermas.

A metáfora não se traduz como mero recurso estilístico ou mesmo adorno de discurso, o que pode ser corroborado por Verezza (2010) que assim traduziu sua compreensão da metáfora, in litteris: “[...] ela não é mais apenas um adorno supérfluo, mas um importante recurso cognitivo usado, não só para se “referir” a algo por meio de outro termo mais indireto, mas, de fato, construir esse algo cognitivamente, a partir da interação com um outro domínio da experiência”.

Com  efeito,  muitos  conceitos,  muitas  ficções  e  institutos  são  construídos  a  partir  de  sentido ou de um lugar metafórico e no sentido inverso, muito do mundo que nos cerca, nos é dado compreender através de metáforas.

Muito nos apoiamos em metáforas com o objetivo de conhecer não apenas o outro, mas também a esse estranho que diariamente nos observa a partir do espelho.

É diante dessa importância fundamental da metáfora para nosso devir cognitivo e para a  construção  da  realidade  em  nosso  entorno,  que  exsurge  a  Teoria  da  Metáfora  Conceptual[7]  proposta por Lakoff e Johnson (1980).

Como bem assevera Zoltán Kövecses (2011), a linguística de corpus deveria prestar uma atenção maior ao estudo da metáfora conceptual: “Acredito que os estudos de corpus de conceitos-alvo específicos devam prestar mais atenção à  análise  dessas  metáforas  conceptuais  que  podem  ser  consideradas  “centrais”  no  que  diz  respeito aos conceitos-alvo. Essas são as metáforas que mais contribuem para a estrutura e o conteúdo dos conceitos abstratos”.

Asseverou Tony Berber Sardinha (2007) esse é um campo desafiador para a "Linguística de Corpus". A teoria da metáfora conceptual coloca desafios para a Linguística de Corpus, principalmente porque nessa visão, metáfora é uma representação mental. Ela é cognitiva (existe na mente e atua no pensamento).

[...] Como a Linguística de Corpus se ocupa de dados realizados, de produção, como pode ela dar conta de encontrar as metáforas conceptuais, que residem na mente?

Para Berber Sardinha (2007) a resposta se encontra nas expressões metafóricas licenciadas pela metáfora conceptual e pelos padrões de uso da língua que nos permitem deduzir tanto as expressões metafóricas quanto as metáforas conceptuais.

Sinteticamente,  uma  metáfora  conceitual  faria  parte  de  um  “inconsciente  cognitivo  coletivo” pairando sobre e antes do discurso ser urdido, de forma que as expressões metafóricas são de alguma forma, correlacionadas e subordinadas  a esta.

Vide as expressões como a “presente lide”, em verdade, trata de assunto diverso, ao usar o termo lide, em vez de ação ou processo, remetem a uma metáfora conceitual de que Direito é guerra, dado  que a carga semântica de lide se traduz em luta, peleja, batalha e combate.

Temos dois domínios subjacentes à metáfora conceitual, o domínio origem, do qual brotam as inferências e o domínio destino aos quais as inferências se aplicam, como esclarece Kövecses (2010).

Os  dois  domínios  que  participam  da  metáfora  conceitual  têm  nomes  especiais.  O  domínio  conceitual do qual extraímos expressões metafóricas para entender outro domínio conceitual é chamado de domínio de origem, enquanto o domínio conceitual entendido dessa forma é dada  à  historicidade  da  prática  social  aplicada  do  direito,  cujas  origens  remontam  as  civilizações  guerreiras  da  Suméria  e  tem  sua  base  conceptual  no  Direito  Romano,  o  mais  beligerante  dos  impérios  da  antiguidade,  não  é  surpresa  que  esse  fenômeno  social  tenha  a  faculdade de ser conceptualizado a partir de termos e vocábulos militares.

Tais exemplos, corroboram a conceptualização do direito como guerra, na qual os sujeitos do processo são inimigos em combate e as armas são os argumentos de uma e doutra banda, manejados pelos soldados treinados para isso, os advogados e promotores, tendo como teatro de operações os campos de batalha de nossos tribunais.

Dessa  forma,  veremos  que  “Direito  é  guerra[8]  é  uma  metáfora  superordenada  com o mapeamento “Direito é litígio”, “Direito é luta”, “Direito é  ataque e defesa.

De  fato,  não  existe  um  corpus  jurídico  ao  qual  se  possa  recorrer  e  aplicar  as  formas  tradicionais de análise, desenvolvidas com os softwares como “concordanciadores, extratores de frequência e etiquetadores” (BERBER SARDINHA, 2004), isso porque “o Banco de Português, o Lácio Web, o Tycho-Brahe, de português histórico, a Linguateca” e os vários corpora em português, inclusive o do NILC, de português brasileiro, não possuem corpus da área por nós pretendida.

Ainda nesse sentido, destaca-se que o Corpus Brasileiro v. 5.1 (BERBER SARDINHA, 2019), sequer tem indexado os gêneros “direito” e “sentença” – objetos mediatos do presente estudo – e, como consequência lógica, a pesquisa por expressões metafóricas compostas pelos tokens “direito” e “estratégia”.

O pesquisador, Dr. Tony Berber Sardinha, desenvolveu em parceria com o Dr. Kenneth Ward Church um algoritmo para extração de metáfora conceptual e expressões metafóricas em corpus submetidos por outros pesquisadores através do sítio http://www4.pucsp.br/pos/lael/corpora/, da PUC São Paulo.

No entanto, o sistema foi descontinuado e ao intentar-se o upload de corpora, retorna a mensagem “2008/12/08: “Infelizmente, devido a problemas além da minha alçada, este serviço está suspenso sem perspectiva de retorno”.

Ainda nesse sentido, as versões do software dos referidos pesquisadores, o Metaphor 1 e 2, estão indisponíveis nos servidores da instituição que retorna sempre o aviso 404 – Page Not Found.

Evidente  que  existe  corpus  jurídicos  que  não  estão  disponíveis  e  publicizados  na  rede  mundial  de  computadores,  bem  como  também  é  certo  que    outros  pesquisadores  que  se  debruçam  sobre  corpora  jurídicos. 

Trazemos  como  exemplo,  a  Dra.  Rove  Chishman  da  UNISINOS, que vem desenvolvendo importante projeto de “tecnologias semânticas aplicadas à  recuperação  de  informação  jurídica”,  baseado  teoria  da  semântica  de  frames  de  Charles  J.  Fillmore (1982).

O corpus analisado foi eleito a partir de um recorte epistemológico, limitado no tempo e no espaço, às decisões do STF no período compreendido entre 24 de julho de 2018 e 24 de julho de 2019, limitando-se ainda aos campos do direito constitucional, matéria eminentemente afeta ao STF, direito civil e administrativo, esses por sua conexão direta e específica ao direito constitucional.

Dessa forma, cabem algumas considerações acerca dos mecanismos e softwares disponíveis para a coleta e manipulação de dados a serem estudados, e as dificuldades encontradas.

O primeiro software testado foi o Digesto® (2019), um web search engine, baseado em um  site  da  Internet  cujos  robots  apresentaram  uma  severa  inconsistência  de  dados  quando  aplicado  filtro  temporal  para  limitar  o  corpus ao  período  pretendido  e  que  não  distingue  no  filtro  “federal”,  os  Tribunais  Regionais  Federais  dos  Tribunais  Superiores,  além  de  retornar  resultados negativos para os types delimitados.

No mesmo sentido, Stefanowitsch (2006) referência e descreve o método adotado da seguinte forma:(ii) Pesquisando o vocabulário do domínio de origem. Expressões metafóricas e metonímicas sempre contêm itens lexicais de seu domínio de origem (é isso que os torna não literais em primeiro  lugar). 

Portanto,  é  uma  estratégia  razoável  iniciar  uma  investigação  selecionando  um domínio de origem em potencial (ou seja, um domínio ou campo semântico conhecido por desempenhar um papel em expressões metafóricas ou metonímicas).

Em uma primeira etapa, o pesquisador pode procurar por itens lexicais individuais desse domínio (cf. Deignan 1999a,  b,  este  volume,  Hanks  2004,  este  volume,  Hilpert,  este  volume)  ou  conjuntos  inteiros de tais itens (cf. Partington 1997, 2003, este volume, Koller, este volume, Markert e Nissim 2002b, este volume).

A escolha dos itens pode ser baseada em decisões a priori (cf. Deignan, este volume, Koller, este volume, Hilpert, este volume), pode ser baseada em listas exaustivas existentes (cf. Markert e Nissim, este volume), ou pode basear-se em uma análise de palavras-chave precedentes de textos que tratam de tópicos do domínio de destino (cf. o procedimento de seis etapas, apresentado por Partington, este volume, baseado em Partington 1997, 2003).

A busca desses itens pode ser exaustiva (ou seja, todas as ocorrências do item(s) em  questão  são  recuperados,  cf.  Deignan,  este  volume,  Hilpert,  este  volume,  Koller,  este  volume) ou pode ser limitada a contextos particulares que são considerados promissores (cf. Hanks, 2004, este volume) ou relevantes para a questão de pesquisa (Stefanowitsch 2005).

Numa segunda etapa, o pesquisador identifica os domínios-alvo nos quais esses itens ocorrem e, assim, os mapeamentos metafóricos ou metonímicos dos quais participam

Nesse ponto, cabe refazermos a analogia de Volkoff (1999) que acertadamente relaciona  as  “línguas  de  madeira”  com  a  Nova língua  (Newspeak),  da  obra  de  George  Orwell  1984 (2009,) que traduz os reais objetivos das línguas artificiais como o Direito:

A ideia era que, uma vez definitivamente adotada a Nova língua e esquecida a Velha língua, um  pensamento  herege,   isto  é,  um  pensamento  que  divergisse  dos  princípios  do  Socing  — fosse literalmente impensável, ao menos na medida em que pensamentos dependem de palavras  para  serem  formulados. 

[...]  Por  outro  lado,  embora  fosse  vista  como  um  fim  em  si  mesma, a redução do vocabulário teve alcance muito mais amplo que a mera supressão de palavras hereges: nenhuma palavra que não fosse imprescindível sobreviveu.

A Nova língua foi concebida não para ampliar, e sim restringir os limites do pensamento, e a redução a um mínimo do estoque de palavras disponíveis era uma maneira indireta de atingir esse propósito. (grifou-se)

O objetivo da dureza da língua do Direito não é construir um vocabulário seu, que atenda as exigências de um campo do saber com suas peculiaridades, mas sim, moldar o pensamento dos  operadores  e  da  sociedade  em  geral,  para  que,  ainda  que  por  meios  indiretos,  jamais  cheguem à conclusão de que o direito seria totalmente prescindível em uma sociedade pautada pelo respeito total à vida e a liberdade.

O Discurso jurídico, verdadeira “Nova língua”, serve, portanto, para reduzir a capacidade de pensamento e de crítica, criando a ilusão de ordem e normalidade e como afirmou Habermas (2003), conferindo a “aparência de legitimidade ao poder ilegítimo”.

Buscou-se com o presente texto demonstrar a existência de uma metáfora conceitual, “Direito é Guerra”[9], que permeia o imaginário da mais alta corte de justiça brasileira, e que se expressa no discurso jurídico através do uso de types, tokens e expressões que remetem a referida metáfora.

Com  efeito,  a  discussão  dos  resultados  comprovou  empiricamente,  não  apenas  a  ocorrência  significativa  dos  types  buscados  e  das  expressões  pinçadas  das  decisões  alvo  do  estudo, como demonstrou também que a substituição de quaisquer types e tokens, uns pelos outros, ou mesmo por novos types e tokens licenciados pela metáfora conceitual "Direito é Guerra", transfere indubitavelmente a carga semântica, de forma que o discurso jurídico mantém seu sentido original, sua significação e compreensão pelos falantes do “juridiquês”[10].

Mais do que demonstrar a ocorrência da metáfora conceitual no discurso entalhado nos tribunais, esse artigo serve de base cognitiva a desvendar os meandros da mente “jurista” e as diversas formas e empregos da metáfora como algo que transcende o mero adorno do discurso no sentido da retórica.

Com efeito, poucos são os magistrados que, de fato, tecem e urdem a sentença em uma língua  acessível  a  todos  os  falantes. 

Visto  que,  a  grande  maioria  ainda  esculpe  e  entalha  em  “língua de madeira”, uma sentença adornada com um verniz de erudição que no mais das vezes apenas é compreendida pelos iniciados na seita do direito[11].

Ressaltamos  que  a  maioria  das  sentenças,  acórdãos  ou  decisões  do  STF  (sete  de  cada  dez),  comportam  alguma  inferência  à  metáfora  conceptual  “Direito  é  guerra”. 

Ou  seja, o método estatístico utilizado demonstrou de forma inequívoca que, apesar do discurso institucional de que o direito exerce o papel de pacificador dos conflitos, o discurso ter sido e urdido nas sentenças da mais alta corte de justiça do Brasil, ainda se encontra permeado em seu coletivo cognitivo por uma metáfora conceptual antagônica ao referido discurso.

Conclui-se que é necessário desconstruir o discurso jurídico dominante, permeado por polissemias  e  anacronismos  é  essencial  para  que  as  estruturas  não  democráticas  do  Poder  Judiciário brasileiro possam ao menos dialogar de forma eficiente com a sociedade, convertendo-se em medium, baseado não na força das palavras “duras” ou da autoridade mantenedora do status quo e reprodutora das ideologias do sistema, mas sim baseado na razão comunicativa, democrática e participativa.

O Direito exerce papel político, função social e pode-se proferir que suas características fundamentais são a generalidade (que não se confunde com neutralidade) e a alteridade (bilateralidade).  Estabelecido que o texto jurídico é uma maneira de comunicação, nele acontecem os elementos envolvidos no ato comunicatório. Deve ter, então, um objeto de comunicação (mensagem) com um conteúdo (referente), transmitido ao receptor por um emissor, por meio de um canal, com seu próprio código.

Toda e qualquer maneira de comunicação se apoia no binômio emissor-receptor e não existe comunicação unilateral. A comunicação é, fundamentalmente, um ato de partilha, o que insinua, no mínimo, bilateralidade. Situado que a comunicação não é ato de um apenas, mas de todos os elementos dela participantes, constata-se que a realização do ato comunicatório apenas se efetivará, em sua plenitude, quando todos os seus componentes funcionarem adequadamente.

 

No atual cenário brasileiro, percebe-se tal segmentação  deixando evidente que o falar jurídico exclui uma grande parte da sociedade e tornando  necessária a aproximação desse discurso jurídico das camadas sociais ditas leigas no assunto.  

Sendo assim, persistirá a necessidade de abordagem, discussão, aprofundamento e  maior compreensão desse tema, que busca incessantemente erradicar todo e qualquer método  que seja caro, moroso e inalcançável para a população.

 

Referências

 

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VOLKOFF, Vladimir. Petite histoire de la désinformation. Paris: Editions du Rocher, 1999.

 

 

 

 

 

 

 

 



[1] A argumentação processa-se através do discurso, isto é, por palavras que se encadeiam, constituindo um todo coeso e cheio de sentido, que produz um efeito racional no ouvinte. Na medida de sua coerência e coesão, o discurso hospeda poder persuasivo.  O discurso é a manifestação especial de ideias e sentimentos em público segundo as normas retóricas, a fim de convencer, persuadir, comover, deleitar e instruir os ouvintes. Todo discurso precisa ser belo, pois oratória é arte, quer dizer, uma das singulares exposições da beleza. O mundo jurídico prestigia o vocabulário especializado, para que o excesso de palavra plurissignificativas não atrapalhe a representação simbólica da linguagem. O discurso jurídico constrói uma linguagem própria que é uma linguagem científica. De acordo com Araújo (2003, pág. 25), “O mais complexo discurso terá as seguintes partes: exórdio, proposição, divisão, narração, argumentação, refutação e peroração”.

[2] Louis Althusser ( 1918 -1990) foi um filósofo do Marxismo Estrutural de origem Francesa nascido na Argélia. Seu nome foi uma homenagem ao seu tio paterno, que havia morrido na Primeira Guerra Mundial. Segundo o filósofo, sua mãe pretendia casar-se com esse tio, mas, após a morte deste e apenas em função disso, casou-se com o pai de Althusser. Ele também acreditava ser tratado como um substituto do tio falecido pela mãe, ao que ele atribui um grande dano psicológico. Marxista, filiou-se ao Partido Comunista Francês em 1948. No mesmo ano, tornou-se professor da ENS. Em 1946 Althusser conheceu Hélène Rytmann, uma revolucionária de origem judaico-lituana, oito anos mais velha. Ela foi sua companheira até 16 de novembro de 1980, quando foi estrangulada pelo próprio Althusser, num surto psicótico. As exatas circunstâncias do ocorrido não são conhecidas - uns afirmam ter se tratado de um acidente; outros dizem que foi um ato deliberado. Althusser afirma não se lembrar claramente do fato, alegando que, enquanto massageava o pescoço da mulher, descobriu que a tinha matado. A justiça considerou-o inimputável no momento dos acontecimentos e, em conformidade com a legislação francesa, foi declarado incapaz e inocentado em 1981. Althusser é amplamente conhecido como um teórico das ideologias, e seu ensaio mais conhecido é Idéologie et appareils idéologiques d'état (Ideologia e Aparelhos Ideológicos do Estado). O ensaio estabelece seu conceito de ideologia, que relaciona o marxismo com a psicanálise. A ideologia, para ele, deriva dos conceitos do inconsciente e da fase do espelho (de Freud e Lacan, respectivamente), e descreve as estruturas e sistemas que permitem um conceito significativo do eu. Estas estruturas, para Althusser, são tanto agentes de repressão quanto são inevitáveis - é impossível escapar das ideologias ou não lhes ser subjugado. A ideologia, para Althusser, é a relação imaginária, transformada em práticas, reproduzindo as relações de produção vigentes. Na realização ideológica, a interpelação, o reconhecimento, a sujeição e os Aparelhos Ideológicos de Estado (AIE), são quatro categorias básicas. Em seu discurso sobre a Ideologia é patente sua preocupação em encontrar o lugar da submissão espontânea, o seu funcionamento e suas consequências para o movimento social.

[3] FOUCAULT é conhecido pelo conceito de disciplina, definido em Surveiller et punir (1975) e pelo conceito de biopolítica (ou biopoder social), desenvolvido em Il faut défendre la société (1975-1976). O conceito de disciplina, ou microfísica do poder – estratégia das classes dominantes para criar uma ideologia de submissão –, produz corpos dóceis e úteis, capazes de fazer o que queremos e de operar como queremos, mediante recursos de adestramento fundados no panóptico (vigilância hierárquica, sanção normalizadora e exame), cujo modelo exaustivo é a prisão, núcleo da gestão diferencial das ilegalidades promovida pelo sistema de justiça criminal. O conceito de biopolítica (ou biopoder social) – mecanismos de regularização da tecnologia do poder sobre o conjunto da população viva –, se exerce como guerra capaz de fazer viver os portadores de capital humano e deixar morrer os inúteis para as necessidades do mercado

[4] Habermas propõe um modelo ideal de ação comunicativa, em que as pessoas interagem e, através da utilização da linguagem, organizam-se socialmente, buscando o consenso de uma forma livre de toda a coação externa e interna. A comunicação pretende chamar a atenção para pontos fundamentais da teoria do agir comunicativo, de Jürgen Habermas, que está centrada na comunicação e na vulnerabilidade humana que é fruto da própria comunicação. Será utilizada uma estratégia de exposição dividida em três etapas: A primeira etapa terá duas séries de observações gerais sobre a vida e a obra de Habermas. Na segunda etapa o texto é concentrado em dois pontos de extrema relevância na teoria do agir comunicativo: aa relação dialética com a teoria de Emanuel Kant; e, o critério de acoplabilidade interdisciplinar entre princípios teóricos distintos o que lhe permite soletrar um projeto de teoria da sociedade entendida como crítica da razão ontológica. A terceira etapa abordará problemas derivados do conceito complexo e bipolar da sociedade que depende de possibilidades de acoplagem entre mundo da vida e sistema.

 

 

[5] A Teoria Discursiva do Direito é um conceito desenvolvido pelo filósofo alemão Jürgen Habermas, que reflete sobre a relação entre o direito, a sociedade, o estado e a democracia.  A teoria discursiva do direito de Habermas tem como objetivo: Reconstruir o Estado Democrático de Direito Constitucional de forma legítima Solucionar a tensão entre os direitos fundamentais e a democracia Legitimar e efetivar os direitos fundamentais previstos na Constituição  A teoria discursiva do direito de Habermas se baseia em reflexões filosóficas da Ética do Discurso, aplicadas ao direito da sociedade moderna.  A teoria discursiva do direito de Habermas se caracteriza por: Substituir o normativismo imediato da razão prática pelo normativismo mediato da razão comunicativa Independer da normatividade moral, através de um princípio do discurso deontologicamente neutro Garantir uma relação de complementaridade recíproca entre o Direito e a Moral. A Teoria Discursiva do Direito, de Habermas, apregoa que a  legitimidade do ordenamento jurídico somente pode ser atingida mediante  processos de validação discursiva com a participação de todos os afetados pelo  ordenamento jurídico. Tendo em vista que Direito e Moral mantêm uma relação  de simultaneidade em sua origem, que garante uma neutralidade normativa  imediata para o Direito, e, por outro lado, há uma relação de complementaridade recíproca entre Direito e Moral em seu procedimento, com o que resta  garantida a abertura do Direito ao universo moral. A efetiva participação dos  cidadãos nos processos de validação discursiva está em conformidade com a  noção de Estado Democrático de Direito, pois autoriza a tomada de decisões  considerando todos os interesses envolvidos, com o adequado equilíbrio de corrente de procedimentos discursivas abertos à prevalência da argumentação  mais racional. 

[6] Os brocardos latinos são princípios jurídicos que sintetizam uma regra ou conceito maior em uma frase curta e memorável. A palavra brocardo vem do nome do bispo Burcardo de Vórmia, que compilou um conjunto de máximas e axiomas no Direito Canônico. Miguel Reale ensinou com clareza “que, se nem sempre traduzem princípios gerais ainda subsistentes, atuam como ideias diretoras, que o operador de Direito não pode a priori desprezar”. É por isso que a Lei de Introdução ao Código Civil, no artigo 4º, dá ao juiz poderes para decidir quando a lei for omissa, com base nos princípios gerais do Direito.

[7] A Teoria da Metáfora Conceptual é uma teoria que defende que a metáfora é uma forma de compreender a experiência humana, e não apenas um recurso estilístico. A teoria foi proposta por George Lakoff e Mark Johnson no livro Metaphors We Live By, publicado em 1980.  A teoria da metáfora conceptual defende que o sistema conceptual humano é organizado de forma metaforica, e que a linguagem cotidiana é repleta de metáforas. A ideia é que as experiências corpóreas, a percepção dos sentidos e o conhecimento prévio do mundo determinam a forma como nos comunicamos. A metáfora conceptual é um conceito que estrutura o pensamento, a ação e a linguagem. Um exemplo de metáfora conceptual é a ideia de que "argumentação é uma guerra", que molda a forma como vemos o ato de argumentar.  A metáfora é uma figura de linguagem que compara dois conceitos sem usar expressões que indiquem a comparação. É um recurso estilístico muito utilizado na língua falada e escrita. Exemplos de metáforas conceituais são: Argumentar é uma guerra, Comunicação é um condutor, Teorias discursivas são elementos da natureza. A metáfora conceitual é uma figura de linguagem que conecta uma ideia com outra para facilitar a compreensão de algo. Ela é usada para moldar a linguagem e a forma como pensamos e agimos.

A teoria da metáfora conceitual foi proposta por George Lakoff e Mark Johnson no livro Metaphors We Live By, de 1980. A premissa básica da teoria é que a metáfora não é apenas um recurso estilístico, mas uma forma de conceituar a experiência humana.

[8] A guerra, princípio de análise das relações de poder, ou critério de inteligibilidade do poder político, exercido mediante enfrentamento ou luta – entre as classes sociais nas relações de poder econômico e político, acrescentamos –, mostra a constituição e a produção da sociedade por relações de poder. Nesse sentido, o projeto geral de FOUCAULT não é trabalhar o Direito como discurso jurídico, mas abordar o Direito como sistema de dominação brutal, como instrumento de dominação através de aparelhos, instituições, regras: afinal, se a paz social é a reinscrição permanente de relações de força determinadas na e pela guerra social, então o Direito é instrumento de dominação, ou operador de relações de dominação mediante múltiplas técnicas de sujeição em procedimentos ou práticas reais contínuas, que submetem corpos, dirigem gestos, regem comportamentos, constituindo sujeitos como produtos de uma multiplicidade de forças, energias, desejos e pensamentos, em síntese, por um conjunto de instâncias materiais de constituição do sujeito. O poder, como algo que se exerce, circula e forma rede, ou funciona em cadeia, constitui o indivíduo como efeito do poder e, ao mesmo tempo, como relais pelo qual o poder transita pelo sujeito que constitui, conformando corpos, gestos e discursos do sujeito.

[9] Grotius aponta três causas como legítimas para a guerra externa: 1. defesa contra uma injúria, atual ou ameaçadora, mas não antecipatória; 2. recuperação do que é legalmente devido para o Estado prejudicado; 3. punição do Estado injuriador. A metáfora conceitual "Direito é guerra" é uma expressão que pode ser encontrada nas obras de Hugo Grotius e Sêneca.

A metáfora "Direito é guerra" também foi objeto de estudo em um artigo de Maricélia Schlemper, publicado em 2019, que analisa a ocorrência dessa metáfora nas decisões do Supremo Tribunal Federal.

[10] Sendo assim, na obra “O Processo”, de Franz Kafka (2019), as relações de poder no  campo jurídico são produzidas por meio de metáforas. Dessa forma, a leitura do texto kafkiano  desvela todo o processo burocrático que envolve a acusação de Joseph K., personagem principal  da obra, por algo que, mesmo depois do fim da história, permanece incógnito/ desconhecido do  leitor.  Durante o desenrolar dos acontecimentos, K. declara-se inocente, sem conseguir,  no entanto, explicar de qual acusação é inocente, por não ter a menor noção do que está sendo  acusado. O autor aborda ainda temas arbitrários da vida, chegando a torná-los bizarros ou não humanos, e, ao mesmo tempo, normais, para o mundo moderno, como, no caso, mostra-se o  comportamento de Joseph K.

[11] Os termos “leigos” e “profanos” são utilizados por Bourdieu (1989) para definir os indivíduos que não fazem  parte do meio jurídico, que não têm o conhecimento técnico da área. Discutiu-se o Poder simbólico no campo jurídico,  caracterizando-o como uma forma de violência simbólica já que os “leigos” não são  participantes e nem poderiam ser devido ao fato de esse meio ser tão estigmatizado e cada vez  mais distante do todo social.

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