Discurso
Jurídico do Supremo Tribunal Federal.
Metáforas
e ficções jurídicas.
Identifica-se
a ocorrência de uma metáfora conceitual Direito é Guerra nas decisões exaradas
pela mais alta corte de justiça pátria, principalmente, no âmbito do Direito
Constitucional, Civil e Administrativo.
Nota-se,
igualmente, os pressupostos teóricos de Louis Althusser, Michel Pêcheaux,
Lakoff e Johnson, Habermas, Tony Sardinha e tantos outros doutrinadores que
usaram de métodos estatísticos, num estudo empírico sobre a metáfora conceitual
e ainda outras metáforas licenciadas livremente dentro do discurso jurídico
contemporâneo.
Entendemos
que o Direito em face de suas idiossincrasias e relevância dentro do atual
momento civilizatório, merece um olhar mais aguçado dos pesquisadores de todas
as áreas das ciências humanas, especialmente, nos discursos jurídicos[1] que são urdidos e
compostos de metáforas que permeiam todas as construções e ficções do direto e
sobre as quais o aparelho repressor e reprodutor de ideologias no seio da
sociedade.
Acerca
do emprego da metáfora conceitual “Direito é guerra”, na jurisprudência da mais
alta corte de justiça do Brasil, o Supremo Tribunal Federal – STF, em decisões
constitucionais, cíveis e administrativas, analisando-lhes a carga semântica
transferida, a incidência e a relevância do emprego de types(palavras), tokens
(variações)e expressões metafóricas licenciadas pela metáfora conceitual no
período dos últimos 12 (doze) meses.
Louis
Althusser[2] (1980) ao se referir ao
Direito afirmou que está se referindo a um conjunto não somente normativo, mas
também institucional, composto pela
Polícia, pelos Tribunais e as Prisões, bem como tudo o que o cerca, tal
como os elementos da própria atividade normativa e jurisdicional do Estado.
O
doutrinador destacou que o direito é o único elemento do Estado que tem dupla
finalidade, ser aparelho repressivo e ideológico do Estado.
O
Direito não apenas serve de organismo repressor que irá “vigiar e punir” (Foucault[3], 1987), defendendo o
stablishment, a lei e a ordem a serviço do Capital, como também gestará e
reproduzirá em seus mecanismos a ideologia do Estado, através dos discursos
urdidos pelos diversos atores e operadores do Direito.
E,
diante dessa realidade, é nesse momento que exsurge a Teoria do Agir
Comunicativo, de Jünger Habermas[4] (1989), como uma possível
resposta no sentido de ressignificar o Direito e suas
estruturas
repressoras/reprodutoras,
numa inegável interconexão
entre Direito e
Linguagem, posto que não existe nem um nem o outro sem comunicação. Habermas
situa o direito numa dupla tensão entre facticidade e validade, ou seja, entre
o plano factual e o normativo. Trata-se de uma dupla tensão pois presente tanto
internamente quanto externamente ao próprio direito.
Para
Habermas (1989) além das representações ou suposições, os atos de fala produzem
e renovam as relações interpessoais, tanto no mundo das interações sociais
quanto na esfera de subjetividades.
E,
assim foi que Habermas desenvolveu sua Teoria Discursiva do Direito[5], destacando pontos
principais do Direito Continental Europeu, de família romana e, que está muito
ligado ao Direito brasileiro.
Habermas
destacou ainda o caráter subserviente do Direito ao Estado e, seu
distanciamento do cidadão, denotando seu simples divórcio dos ideais de
democracia.
Aliás,
o Direito como meio organizacional de uma dominação política, referida aos
imperativos funcionais de uma sociedade econômica diferenciada, o direito
moderno continua sendo um meio extremamente ambíguo da integração social. Com
muita frequência o direito confere a aparência de legitimidade ao poder
ilegítimo.
À
primeira vista, ele não denota se as realizações de integração jurídica estão
apoiadas no assentimento dos cidadãos associados, ou se resultam de mera
programação do Estado e do poder estrutural da sociedade; tampouco revela se
elas, apoiadas neste substrato material, produzem por si mesmas a necessária
lealdade das massas.
Cabe
alertar sobre as origens e evolução da língua do Direito. E, nesse sentido,
Pechêux (1990) estabelece a gênese da língua do Estado na Idade Média e que
servia de barreira divisória a divorciar a massa daqueles que eram os únicos
suscetíveis de compreender, o que se tinha a dizer, e fez referência à obra
Régis Debray, "O Escriba: a gênese do político", que esclarece que o
Estado e a Igreja, na Idade Média, ressuscitam e estabeleceram o latim como
língua das "comunicações internacionais".
Não é
sem razão que as bases do Direito são romanas, assim como o latim é idioma mais
referido nas ficções e construções artificiais do Direito, como habeas
corpus, habeas data, mandamus, inaudita altera partes, nemo potest venire
contra factum proprium, sem esquecer outras expressões, máximas e brocardos
latinos[6], como por exemplo, data
maxima venia, a quo, ad quem, de cujus, eventum damni, etc.
A
língua do Direito se traduz em plenos enunciados e códigos herméticos que não
estão diretamente envolvidos na estrutura jurídica, se tratando de uma língua
artificial, criada, desenvolvida e reproduzida com o único sentido de afastar a
compreensão dos não iniciados, dos mecanismo do Direito.
A
jurisprudência registra vários precedentes em que as conclusões se basearam em
brocardos jurídicos. Citam-se dois:
PROCESSUAL
CIVIL. EMBARGOS DECLARATÓRIOS. OBSCURIDADE. SENTENÇA E ACÓRDÃO EXTRA PETITA.
INOCORRÊNCIA.– Cabe ao juiz aplicar aos fatos trazidos a norma jurídica que
entende apropriada, conforme princípios emanados dos brocardos jurídicos jura
novit curia e da mihi factum, dabo tibi jus.
(TRF3,
REOMS 4710/SP 2000.61.09.004710-3, Rel. Eva Regina, 26/04/2004).Prestação de
serviços educacionais. Contrato celebrado sob a égide do Código Civil de 1916.
Aplica-se o prazo prescricional anuo do artigo 178, parágrafo 6º, inciso VII,
do diploma civil anterior, não alterado pela Lei 9.870/99. Incidência do
brocardo jurídico dormientibus non sucurrit jus. É de rigor a cobrança
das mensalidades não abrangidas pela prescrição. Não formalizada a desistência
por escrito, conforme cláusula expressa. Sucumbência recíproca. Recurso da
autora parcialmente provido, para julgar parcialmente procedente a ação. (TJSP,
CR 941086008, Rel. Campos Petroni, 30/01/2009)
Volkoff
(1999) assinalou que a forma como as "línguas de madeira" utilizam
figuras de linguagem para criar e reproduzir o aparato ideológico do Estado.
A
antiga “língua de madeira” se utilizava de imagens linguísticas e figuras de
retórica para realizar propaganda ideológica, como a alegoria, o eufemismo, a
prosopopeia, a metonímia e metalepse. Utilizava-se do maniqueísmo simplista
para exaltar suas próprias virtudes e ainda desmoralizar o inimigo.
E,
segundo Volkoff (1999) relaciona a "língua de madeira" com a
assertiva do então chefe da propaganda nazista do Terceiro Reich, Paul
Joseph Goebbels, para o qual, "Não falamos para fizer alguma coisa, mas
obter um determinado efeito".
Voltando-se
a proposta de Habermas (2003) que sugere romper com os atuais paradigmas do Direito, e centrarmo-nos em
novo paradigma no qual o Direito passaria a ser um poder democrático e
participativo, servindo de médium para o debate democrático e a exposição
racional de argumentos.
Nesse
vetor, Habermas (2003) ressaltou a forma e funcionamento desse novo paradigma
jurídico: " O paradigma jurídico
procedimental procura proteger,
sobretudo, as condições
do procedimento democrático.
Elas adquirem um estatuto que permite analisar, sob outra luz, os diferentes
tipos de conflito.
Os
lugares antes ocupados pelo participante privado do mercado e pelo cliente das
burocracias do Estado de bem-estar social são assumidos por cidadãos que
participam de discursos públicos, articulando e fazendo valer interesses
feridos, e colaboram na formação de
critérios para o
tratamento igualitário de
casos iguais e
para o tratamento
diferenciado de casos
diferentes.
[...]
O fardo dessa
legitimação suplementar poderia
ser assumido pela obrigação de
apresentar justificações perante um fórum jurídico crítico. Isso seria possível
através da instauração de uma esfera pública jurídica capaz de superar a atual
cultura de especialistas e suficientemente sensível para transformar as
decisões problemáticas em foco de controvérsias públicas".
Observa-se
que estamos distantes da utopia criada por Habermas, posto que inexequível no
atual cenário internacional e atual estágio de evolução dos seres humanos, cada
vez mais propensos à autodestruição.
Aliás,
o rompimento do atual paradigma do Direito, não democrático, fleumático e
subserviente ao Estado e ao Capital, demanda também expropriar o Direito de seu
linguajar de madeira, expondo-lhes as entranhas e as formas como são urdidos
seus discursos e estabelecendo as formas como sua ideologia belicosa é urdida e
reproduzida nos textos escritos e orais que permeiam a prática dos
tribunais".
Insta-nos,
assim, apreender, dissecar e compreender o discurso jurídico, seja na análise
crítica, ou através do estudo da jurisprudência que evidenciam o cognitivo e o
imaginário dos operadores do Direito, como forma de contribuir para a quebra de
paradigma proposta por Habermas.
A
metáfora não se traduz como mero recurso estilístico ou mesmo adorno de
discurso, o que pode ser corroborado por Verezza (2010) que assim traduziu sua
compreensão da metáfora, in litteris: “[...] ela não é mais apenas um
adorno supérfluo, mas um importante recurso cognitivo usado, não só para se
“referir” a algo por meio de outro termo mais indireto, mas, de fato, construir
esse algo cognitivamente, a partir da interação com um outro domínio da
experiência”.
Com efeito,
muitos conceitos, muitas
ficções e institutos
são construídos a
partir de sentido ou de um lugar metafórico e no
sentido inverso, muito do mundo que nos cerca, nos é dado compreender através
de metáforas.
Muito
nos apoiamos em metáforas com o objetivo de conhecer não apenas o outro, mas
também a esse estranho que diariamente nos observa a partir do espelho.
É
diante dessa importância fundamental da metáfora para nosso devir cognitivo e
para a construção da
realidade em nosso
entorno, que exsurge
a Teoria da
Metáfora Conceptual[7] proposta por Lakoff e Johnson (1980).
Como
bem assevera Zoltán Kövecses (2011), a linguística de corpus deveria
prestar uma atenção maior ao estudo da metáfora conceptual: “Acredito que os
estudos de corpus de conceitos-alvo específicos devam prestar mais atenção
à análise dessas
metáforas conceptuais que
podem ser consideradas
“centrais” no que
diz respeito aos conceitos-alvo.
Essas são as metáforas que mais contribuem para a estrutura e o conteúdo dos
conceitos abstratos”.
Asseverou
Tony Berber Sardinha (2007) esse é um campo desafiador para a "Linguística
de Corpus". A teoria da metáfora conceptual coloca desafios para a
Linguística de Corpus, principalmente porque nessa visão, metáfora é uma
representação mental. Ela é cognitiva (existe na mente e atua no pensamento).
[...]
Como a Linguística de Corpus se ocupa de dados realizados, de produção,
como pode ela dar conta de encontrar as metáforas conceptuais, que residem na
mente?
Para
Berber Sardinha (2007) a resposta se encontra nas expressões metafóricas
licenciadas pela metáfora conceptual e pelos padrões de uso da língua que nos
permitem deduzir tanto as expressões metafóricas quanto as metáforas
conceptuais.
Sinteticamente, uma
metáfora conceitual faria
parte de um
“inconsciente cognitivo coletivo” pairando sobre e antes do discurso
ser urdido, de forma que as expressões metafóricas são de alguma forma,
correlacionadas e subordinadas a esta.
Vide
as expressões como a “presente lide”, em verdade, trata de assunto diverso, ao
usar o termo lide, em vez de ação ou processo, remetem a uma metáfora
conceitual de que Direito é guerra, dado
que a carga semântica de lide se traduz em luta, peleja, batalha e
combate.
Temos
dois domínios subjacentes à metáfora conceitual, o domínio origem, do qual
brotam as inferências e o domínio destino aos quais as inferências se aplicam,
como esclarece Kövecses (2010).
Os dois
domínios que participam
da metáfora conceitual
têm nomes especiais.
O domínio conceitual do qual extraímos expressões
metafóricas para entender outro domínio conceitual é chamado de domínio de
origem, enquanto o domínio conceitual entendido dessa forma é dada à
historicidade da prática
social aplicada do
direito, cujas origens
remontam as civilizações
guerreiras da Suméria
e tem sua
base conceptual no
Direito Romano, o mais beligerante
dos impérios da
antiguidade, não é
surpresa que esse
fenômeno social tenha
a faculdade de ser
conceptualizado a partir de termos e vocábulos militares.
Tais
exemplos, corroboram a conceptualização do direito como guerra, na qual os
sujeitos do processo são inimigos em combate e as armas são os argumentos de
uma e doutra banda, manejados pelos soldados treinados para isso, os advogados
e promotores, tendo como teatro de operações os campos de batalha de nossos
tribunais.
Dessa forma,
veremos que “Direito
é guerra[8]” é
uma metáfora superordenada
com o mapeamento “Direito é litígio”, “Direito é luta”, “Direito é ataque e defesa.
De fato,
não existe um
corpus jurídico ao
qual se possa
recorrer e aplicar
as formas tradicionais de análise, desenvolvidas com os
softwares como “concordanciadores, extratores de frequência e etiquetadores”
(BERBER SARDINHA, 2004), isso porque “o Banco de Português, o Lácio Web, o
Tycho-Brahe, de português histórico, a Linguateca” e os vários corpora em português,
inclusive o do NILC, de português brasileiro, não possuem corpus da área por
nós pretendida.
Ainda
nesse sentido, destaca-se que o Corpus Brasileiro v. 5.1 (BERBER
SARDINHA, 2019), sequer tem indexado os gêneros “direito” e “sentença” –
objetos mediatos do presente estudo – e, como consequência lógica, a pesquisa
por expressões metafóricas compostas pelos tokens “direito” e “estratégia”.
O
pesquisador, Dr. Tony Berber Sardinha, desenvolveu em parceria com o Dr.
Kenneth Ward Church um algoritmo para extração de metáfora conceptual e
expressões metafóricas em corpus submetidos por outros pesquisadores através do
sítio http://www4.pucsp.br/pos/lael/corpora/, da PUC São Paulo.
No
entanto, o sistema foi descontinuado e ao intentar-se o upload de corpora,
retorna a mensagem “2008/12/08: “Infelizmente, devido a problemas além da minha
alçada, este serviço está suspenso sem perspectiva de retorno”.
Ainda
nesse sentido, as versões do software dos referidos pesquisadores, o Metaphor 1
e 2, estão indisponíveis nos servidores da instituição que retorna sempre o
aviso 404 – Page Not Found.
Evidente que
existe corpus jurídicos
que não estão
disponíveis e publicizados
na rede mundial
de computadores, bem
como também é
certo que há
outros pesquisadores que se debruçam
sobre corpora jurídicos.
Trazemos como
exemplo, a Dra.
Rove Chishman da
UNISINOS, que vem desenvolvendo importante projeto de “tecnologias
semânticas aplicadas à recuperação de
informação jurídica”, baseado
teoria da semântica
de frames de
Charles J. Fillmore (1982).
O corpus
analisado foi eleito a partir de um recorte epistemológico, limitado no tempo e
no espaço, às decisões do STF no período compreendido entre 24 de julho de 2018
e 24 de julho de 2019, limitando-se ainda aos campos do direito constitucional,
matéria eminentemente afeta ao STF, direito civil e administrativo, esses por
sua conexão direta e específica ao direito constitucional.
Dessa
forma, cabem algumas considerações acerca dos mecanismos e softwares
disponíveis para a coleta e manipulação de dados a serem estudados, e as
dificuldades encontradas.
O
primeiro software testado foi o Digesto® (2019), um web search engine,
baseado em um site da Internet cujos robots apresentaram
uma severa inconsistência de
dados quando aplicado
filtro temporal para
limitar o corpus ao período
pretendido e que
não distingue no
filtro “federal”, os
Tribunais Regionais Federais
dos Tribunais Superiores,
além de retornar
resultados negativos para os types delimitados.
No
mesmo sentido, Stefanowitsch (2006) referência e descreve o método adotado da
seguinte forma:(ii) Pesquisando o vocabulário do domínio de origem. Expressões
metafóricas e metonímicas sempre contêm itens lexicais de seu domínio de origem
(é isso que os torna não literais em primeiro
lugar).
Portanto, é
uma estratégia razoável
iniciar uma investigação
selecionando um domínio de origem
em potencial (ou seja, um domínio ou campo semântico conhecido por desempenhar
um papel em expressões metafóricas ou metonímicas).
Em uma
primeira etapa, o pesquisador pode procurar por itens lexicais individuais
desse domínio (cf. Deignan 1999a,
b, este volume,
Hanks 2004, este
volume, Hilpert, este
volume) ou conjuntos
inteiros de tais itens (cf. Partington 1997, 2003, este volume, Koller,
este volume, Markert e Nissim 2002b, este volume).
A
escolha dos itens pode ser baseada em decisões a priori (cf. Deignan,
este volume, Koller, este volume, Hilpert, este volume), pode ser baseada em
listas exaustivas existentes (cf. Markert e Nissim, este volume), ou pode
basear-se em uma análise de palavras-chave precedentes de textos que tratam de
tópicos do domínio de destino (cf. o procedimento de seis etapas, apresentado
por Partington, este volume, baseado em Partington 1997, 2003).
A
busca desses itens pode ser exaustiva (ou seja, todas as ocorrências do item(s)
em questão são
recuperados, cf. Deignan,
este volume, Hilpert,
este volume, Koller,
este volume) ou pode ser limitada
a contextos particulares que são considerados promissores (cf. Hanks, 2004,
este volume) ou relevantes para a questão de pesquisa (Stefanowitsch 2005).
Numa
segunda etapa, o pesquisador identifica os domínios-alvo nos quais esses itens
ocorrem e, assim, os mapeamentos metafóricos ou metonímicos dos quais
participam
Nesse
ponto, cabe refazermos a analogia de Volkoff (1999) que acertadamente
relaciona as “línguas
de madeira” com
a Nova língua (Newspeak), da
obra de George
Orwell 1984 (2009,) que traduz os
reais objetivos das línguas artificiais como o Direito:
A
ideia era que, uma vez definitivamente adotada a Nova língua e esquecida a Velha
língua, um pensamento herege,
isto é, um
pensamento que divergisse
dos princípios do Socing — fosse literalmente impensável, ao menos na
medida em que pensamentos dependem de palavras
para serem formulados.
[...] Por
outro lado, embora
fosse vista como
um fim em
si mesma, a redução do
vocabulário teve alcance muito mais amplo que a mera supressão de palavras
hereges: nenhuma palavra que não fosse imprescindível sobreviveu.
A Nova
língua foi concebida não para ampliar, e sim restringir os limites do
pensamento, e a redução a um mínimo do estoque de palavras disponíveis era uma
maneira indireta de atingir esse propósito. (grifou-se)
O
objetivo da dureza da língua do Direito não é construir um vocabulário seu, que
atenda as exigências de um campo do saber com suas peculiaridades, mas sim,
moldar o pensamento dos operadores e
da sociedade em
geral, para que,
ainda que por
meios indiretos, jamais
cheguem à conclusão de que o direito seria totalmente prescindível em
uma sociedade pautada pelo respeito total à vida e a liberdade.
O
Discurso jurídico, verdadeira “Nova língua”, serve, portanto, para reduzir a
capacidade de pensamento e de crítica, criando a ilusão de ordem e normalidade
e como afirmou Habermas (2003), conferindo a “aparência de legitimidade ao
poder ilegítimo”.
Buscou-se
com o presente texto demonstrar a existência de uma metáfora conceitual, “Direito
é Guerra”[9], que permeia o imaginário
da mais alta corte de justiça brasileira, e que se expressa no discurso
jurídico através do uso de types, tokens e expressões que remetem
a referida metáfora.
Com efeito,
a discussão dos
resultados comprovou empiricamente, não
apenas a ocorrência
significativa dos types
buscados e das
expressões pinçadas das
decisões alvo do
estudo, como demonstrou também que a substituição de quaisquer types
e tokens, uns pelos outros, ou mesmo por novos types e tokens
licenciados pela metáfora conceitual "Direito é Guerra", transfere
indubitavelmente a carga semântica, de forma que o discurso jurídico mantém seu
sentido original, sua significação e compreensão pelos falantes do “juridiquês”[10].
Mais
do que demonstrar a ocorrência da metáfora conceitual no discurso entalhado nos
tribunais, esse artigo serve de base cognitiva a desvendar os meandros da mente
“jurista” e as diversas formas e empregos da metáfora como algo que transcende
o mero adorno do discurso no sentido da retórica.
Com
efeito, poucos são os magistrados que, de fato, tecem e urdem a sentença em uma
língua acessível a
todos os falantes.
Visto que,
a grande maioria
ainda esculpe e
entalha em “língua de madeira”, uma sentença adornada
com um verniz de erudição que no mais das vezes apenas é compreendida pelos
iniciados na seita do direito[11].
Ressaltamos que
a maioria das
sentenças, acórdãos ou
decisões do STF
(sete de cada
dez), comportam alguma
inferência à metáfora
conceptual “Direito é guerra”.
Ou seja, o método estatístico utilizado
demonstrou de forma inequívoca que, apesar do discurso institucional de que o
direito exerce o papel de pacificador dos conflitos, o discurso ter sido e
urdido nas sentenças da mais alta corte de justiça do Brasil, ainda se encontra
permeado em seu coletivo cognitivo por uma metáfora conceptual antagônica ao
referido discurso.
Conclui-se
que é necessário desconstruir o discurso jurídico dominante, permeado por
polissemias e anacronismos
é essencial para
que as estruturas
não democráticas do Poder Judiciário brasileiro possam ao menos
dialogar de forma eficiente com a sociedade, convertendo-se em medium,
baseado não na força das palavras “duras” ou da autoridade mantenedora do status
quo e reprodutora das ideologias do sistema, mas sim baseado na razão
comunicativa, democrática e participativa.
O
Direito exerce papel político, função social e pode-se proferir que suas
características fundamentais são a generalidade (que não se confunde com
neutralidade) e a alteridade (bilateralidade).
Estabelecido que o texto jurídico é uma maneira de comunicação, nele
acontecem os elementos envolvidos no ato comunicatório. Deve ter, então, um
objeto de comunicação (mensagem) com um conteúdo (referente), transmitido ao
receptor por um emissor, por meio de um canal, com seu próprio código.
Toda e
qualquer maneira de comunicação se apoia no binômio emissor-receptor e não
existe comunicação unilateral. A comunicação é, fundamentalmente, um ato de
partilha, o que insinua, no mínimo, bilateralidade. Situado que a comunicação
não é ato de um apenas, mas de todos os elementos dela participantes,
constata-se que a realização do ato comunicatório apenas se efetivará, em sua
plenitude, quando todos os seus componentes funcionarem adequadamente.
No
atual cenário brasileiro, percebe-se tal segmentação deixando evidente que o falar jurídico exclui
uma grande parte da sociedade e tornando necessária a aproximação desse discurso
jurídico das camadas sociais ditas leigas no assunto.
Sendo
assim, persistirá a necessidade de abordagem, discussão, aprofundamento e maior compreensão desse tema, que busca
incessantemente erradicar todo e qualquer método que seja caro, moroso e inalcançável para a
população.
Referências
ALTHUSSER,
Louis. Aparelhos Ideológicos de Estado. 2ª. ed.. Rio de Janeiro, Graal,
1985.
______________.
Ideologia e aparelhos ideológicos de Estado: notas para uma investigação.
3ª. ed. Lisboa: Editorial Presença/Martins Fontes, 1980.
ANDRÉS IBÁÑEZ,
Perfecto. ‘Carpintería’ de
la sentencia penal
(en materia de
‘hechos’). In: En torno a la jurisdicción. Perfecto
Andrés Ibáñez, 219-249. Buenos Aires: Editores Del Puerto, 2007.
BERBER
SARDINHA, Tony. Acesso a corpos de português: Projecto AC/DC: corpo Corpus
Brasileiro. Corpus Brasileiro anotado, versão de 25 de maio de 2019, v.
5.1. Disponível em:
https://www.linguateca.pt/acesso/desc_corpus.php?corpus=CBRAS. Acesso
em: .
BERBER
SARDINHA, Tony. Análise de Metáfora em Corpora. In: Ilha do
Desterro, nº 52, p. 167-199, jan./jun. 2007. Florianópolis: Universidade
Federal de Santa Catarina. Disponível
em: https://periodicos.ufsc.br/index.php/desterro/article/view/11715. Acesso
em:
BOURDIEU,
Pierre. O Poder Simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1989.
BRASIL.
Supremo Tribunal Federal – STF. Pesquisa de Jurisprudência. Disponível
em: http://stf.jus.br/portal/jurisprudencia/pesquisarJurisprudencia.asp. Acesso
em:
DIGESTO.
Transformando dados em inteligência jurídica. 2019.
Disponível em: https://www.digesto.com.br. Acesso em:
ENFAM.
Jurisprudência consolidada. Disponível em:
http://corpus927.enfam.jus.br/. Acesso em: 23 ago. 2019.FILLMORE, C. J. Frame
Semantics. In: THE LINGUISTIC Society of Korea (Ed.). Linguistics in
the morning calm. Seoul: Hanshin, 1982. p. 111-138.
FOUCAULT, Michel.
Vigiar e punir:
nascimento da prisão.
Tradução Raquel Ramalhete.
Petrópolis: Vozes, 1987.
FOCAULT,
Michel. A ordem do discurso. São Paulo: Editora Loyola, 2010.
GADET,
Françoise. & PÊCHEUX, Michel. A
língua inatingível. Tradução Betânia Mariani e Maria Elizabeth Chaves de
Mello. Campinas: Pontes, 2004.
KÖVECSES,
Zoltán. Metaphor: a practical introduction. New York: Oxford
University Press, Inc., 2010.
KÖVECSES,
Zoltán. Methodological issues in conceptual metaphor theory.
Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/310990180 Acesso em
LIMA,
Daniele Martins; CARNEIRO, Monica Fontenelle. Poder Simbólico e Metáforas
Conceptuais: uma breve análise das relações produzidas no campo jurídico em
"O Processo" de Kafka.
Revista de Direito, Arte e Literatura. Encontro virtual. v.8, n.1, p.47-66. Janeiro/Junho de 2022.
OAB. Jurisprudência de
uma forma mais
ágil e eficaz.
OABJuris 2018. In: Legal Labs Inteligência Artificial LTDA. Disponível
em:
https://jurisprudencia.oab.org.br.
Acesso em: 23 ago. 2019.
ORWELL,
George. 1984. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.
PÊCHEAUX,
Michel. Delimitações, inversões, deslocamentos. Tradução de José Horta
Nunes. In: Cadernos de Estudos Linguísticos, nº 19: 7-24, jul./dez.
1990. Campinas – SP: Universidade Estadual de Campinas, 1990.
RECONDO
Felipe. Tanques e togas: o STF durante a ditadura. São Paulo: Companhia
das Letras, 2018.STEFANOWITSCH,
Anatol. Corpus-based approaches
to metaphor and
metonymy. In:Corpus-based
approaches to metaphor and metonymy. STEFANOWITSCH, Anatol; GRIES, Stefan Th. Berlin and New York: Mouton
de Gruyter, 2006.
SANTOS,
Boaventura de Sousa. Introdução à Sociologia da Administração da Justiça.
In: FARIA, José Eduardo. Direito
e justiça – A função social do judiciário. São Paulo: Editora
Ática,
1994.
VOLKOFF,
Vladimir. Petite histoire de la désinformation. Paris: Editions du
Rocher, 1999.
[1]
A argumentação processa-se através do discurso, isto é, por palavras que se
encadeiam, constituindo um todo coeso e cheio de sentido, que produz um efeito
racional no ouvinte. Na medida de sua coerência e coesão, o discurso hospeda
poder persuasivo. O discurso é a
manifestação especial de ideias e sentimentos em público segundo as normas
retóricas, a fim de convencer, persuadir, comover, deleitar e instruir os
ouvintes. Todo discurso precisa ser belo, pois oratória é arte, quer dizer, uma
das singulares exposições da beleza. O mundo jurídico prestigia o vocabulário
especializado, para que o excesso de palavra plurissignificativas não atrapalhe
a representação simbólica da linguagem. O discurso jurídico constrói uma
linguagem própria que é uma linguagem científica. De acordo com Araújo (2003,
pág. 25), “O mais complexo discurso terá as seguintes partes: exórdio,
proposição, divisão, narração, argumentação, refutação e peroração”.
[2]
Louis Althusser ( 1918 -1990) foi um filósofo do Marxismo Estrutural de origem
Francesa nascido na Argélia. Seu nome foi uma homenagem ao seu tio paterno, que
havia morrido na Primeira Guerra Mundial. Segundo o filósofo, sua mãe pretendia
casar-se com esse tio, mas, após a morte deste e apenas em função disso,
casou-se com o pai de Althusser. Ele também acreditava ser tratado como um
substituto do tio falecido pela mãe, ao que ele atribui um grande dano
psicológico. Marxista, filiou-se ao Partido Comunista Francês em 1948. No mesmo
ano, tornou-se professor da ENS. Em 1946 Althusser conheceu Hélène Rytmann, uma
revolucionária de origem judaico-lituana, oito anos mais velha. Ela foi sua
companheira até 16 de novembro de 1980, quando foi estrangulada pelo próprio
Althusser, num surto psicótico. As exatas circunstâncias do ocorrido não são
conhecidas - uns afirmam ter se tratado de um acidente; outros dizem que foi um
ato deliberado. Althusser afirma não se lembrar claramente do fato, alegando
que, enquanto massageava o pescoço da mulher, descobriu que a tinha matado. A
justiça considerou-o inimputável no momento dos acontecimentos e, em
conformidade com a legislação francesa, foi declarado incapaz e inocentado em
1981. Althusser é amplamente conhecido como um teórico das ideologias, e seu
ensaio mais conhecido é Idéologie et appareils idéologiques d'état (Ideologia e
Aparelhos Ideológicos do Estado). O ensaio estabelece seu conceito de
ideologia, que relaciona o marxismo com a psicanálise. A ideologia, para ele, deriva
dos conceitos do inconsciente e da fase do espelho (de Freud e Lacan,
respectivamente), e descreve as estruturas e sistemas que permitem um conceito
significativo do eu. Estas estruturas, para Althusser, são tanto agentes de
repressão quanto são inevitáveis - é impossível escapar das ideologias ou não
lhes ser subjugado. A ideologia, para Althusser, é a relação imaginária,
transformada em práticas, reproduzindo as relações de produção vigentes. Na
realização ideológica, a interpelação, o reconhecimento, a sujeição e os
Aparelhos Ideológicos de Estado (AIE), são quatro categorias básicas. Em seu
discurso sobre a Ideologia é patente sua preocupação em encontrar o lugar da
submissão espontânea, o seu funcionamento e suas consequências para o movimento
social.
[3]
FOUCAULT é conhecido pelo conceito de disciplina, definido em Surveiller et
punir (1975) e pelo conceito de biopolítica (ou biopoder social), desenvolvido
em Il faut défendre la société (1975-1976). O conceito de disciplina, ou
microfísica do poder – estratégia das classes dominantes para criar uma
ideologia de submissão –, produz corpos dóceis e úteis, capazes de fazer o que
queremos e de operar como queremos, mediante recursos de adestramento fundados
no panóptico (vigilância hierárquica, sanção normalizadora e exame), cujo
modelo exaustivo é a prisão, núcleo da gestão diferencial das ilegalidades
promovida pelo sistema de justiça criminal. O conceito de biopolítica (ou
biopoder social) – mecanismos de regularização da tecnologia do poder sobre o
conjunto da população viva –, se exerce como guerra capaz de fazer viver os
portadores de capital humano e deixar morrer os inúteis para as necessidades do
mercado
[4]
Habermas propõe um modelo ideal de ação comunicativa, em que as pessoas
interagem e, através da utilização da linguagem, organizam-se socialmente,
buscando o consenso de uma forma livre de toda a coação externa e interna. A
comunicação pretende chamar a atenção para pontos fundamentais da teoria do
agir comunicativo, de Jürgen Habermas, que está centrada na comunicação e na
vulnerabilidade humana que é fruto da própria comunicação. Será utilizada uma
estratégia de exposição dividida em três etapas: A primeira etapa terá duas
séries de observações gerais sobre a vida e a obra de Habermas. Na segunda
etapa o texto é concentrado em dois pontos de extrema relevância na teoria do
agir comunicativo: aa relação dialética com a teoria de Emanuel Kant; e, o
critério de acoplabilidade interdisciplinar entre princípios teóricos distintos
o que lhe permite soletrar um projeto de teoria da sociedade entendida como
crítica da razão ontológica. A terceira etapa abordará problemas derivados do
conceito complexo e bipolar da sociedade que depende de possibilidades de
acoplagem entre mundo da vida e sistema.
[5]
A Teoria Discursiva do Direito é um conceito desenvolvido pelo filósofo alemão
Jürgen Habermas, que reflete sobre a relação entre o direito, a sociedade, o
estado e a democracia. A teoria
discursiva do direito de Habermas tem como objetivo: Reconstruir o Estado
Democrático de Direito Constitucional de forma legítima Solucionar a tensão
entre os direitos fundamentais e a democracia Legitimar e efetivar os direitos
fundamentais previstos na Constituição A
teoria discursiva do direito de Habermas se baseia em reflexões filosóficas da
Ética do Discurso, aplicadas ao direito da sociedade moderna. A teoria discursiva do direito de Habermas se
caracteriza por: Substituir o normativismo imediato da razão prática pelo normativismo
mediato da razão comunicativa Independer da normatividade moral, através de um
princípio do discurso deontologicamente neutro Garantir uma relação de
complementaridade recíproca entre o Direito e a Moral. A Teoria Discursiva do
Direito, de Habermas, apregoa que a
legitimidade do ordenamento jurídico somente pode ser atingida
mediante processos de validação
discursiva com a participação de todos os afetados pelo ordenamento jurídico. Tendo em vista que
Direito e Moral mantêm uma relação de
simultaneidade em sua origem, que garante uma neutralidade normativa imediata para o Direito, e, por outro lado,
há uma relação de complementaridade recíproca entre Direito e Moral em seu
procedimento, com o que resta garantida
a abertura do Direito ao universo moral. A efetiva participação dos cidadãos nos processos de validação
discursiva está em conformidade com a
noção de Estado Democrático de Direito, pois autoriza a tomada de
decisões considerando todos os interesses
envolvidos, com o adequado equilíbrio de corrente de procedimentos discursivas
abertos à prevalência da argumentação
mais racional.
[6]
Os brocardos latinos são princípios jurídicos que sintetizam uma regra ou
conceito maior em uma frase curta e memorável. A palavra brocardo vem do nome
do bispo Burcardo de Vórmia, que compilou um conjunto de máximas e axiomas no
Direito Canônico. Miguel Reale ensinou com clareza “que, se nem sempre traduzem
princípios gerais ainda subsistentes, atuam como ideias diretoras, que o
operador de Direito não pode a priori desprezar”. É por isso que a Lei de
Introdução ao Código Civil, no artigo 4º, dá ao juiz poderes para decidir
quando a lei for omissa, com base nos princípios gerais do Direito.
[7]
A Teoria da Metáfora Conceptual é uma teoria que defende que a metáfora é uma
forma de compreender a experiência humana, e não apenas um recurso estilístico.
A teoria foi proposta por George Lakoff e Mark Johnson no livro Metaphors We
Live By, publicado em 1980. A teoria da
metáfora conceptual defende que o sistema conceptual humano é organizado de
forma metaforica, e que a linguagem cotidiana é repleta de metáforas. A ideia é
que as experiências corpóreas, a percepção dos sentidos e o conhecimento prévio
do mundo determinam a forma como nos comunicamos. A metáfora conceptual é um
conceito que estrutura o pensamento, a ação e a linguagem. Um exemplo de
metáfora conceptual é a ideia de que "argumentação é uma guerra", que
molda a forma como vemos o ato de argumentar. A metáfora é uma figura de linguagem que
compara dois conceitos sem usar expressões que indiquem a comparação. É um
recurso estilístico muito utilizado na língua falada e escrita. Exemplos de
metáforas conceituais são: Argumentar é uma guerra, Comunicação é um condutor,
Teorias discursivas são elementos da natureza. A metáfora conceitual é uma
figura de linguagem que conecta uma ideia com outra para facilitar a
compreensão de algo. Ela é usada para moldar a linguagem e a forma como
pensamos e agimos.
A teoria da metáfora
conceitual foi proposta por George Lakoff e Mark Johnson no livro Metaphors We
Live By, de 1980. A premissa básica da teoria é que a metáfora não é apenas um
recurso estilístico, mas uma forma de conceituar a experiência humana.
[8]
A guerra, princípio de análise das relações de poder, ou critério de
inteligibilidade do poder político, exercido mediante enfrentamento ou luta –
entre as classes sociais nas relações de poder econômico e político,
acrescentamos –, mostra a constituição e a produção da sociedade por relações
de poder. Nesse sentido, o projeto geral de FOUCAULT não é trabalhar o Direito
como discurso jurídico, mas abordar o Direito como sistema de dominação brutal,
como instrumento de dominação através de aparelhos, instituições, regras:
afinal, se a paz social é a reinscrição permanente de relações de força
determinadas na e pela guerra social, então o Direito é instrumento de
dominação, ou operador de relações de dominação mediante múltiplas técnicas de
sujeição em procedimentos ou práticas reais contínuas, que submetem corpos,
dirigem gestos, regem comportamentos, constituindo sujeitos como produtos de
uma multiplicidade de forças, energias, desejos e pensamentos, em síntese, por
um conjunto de instâncias materiais de constituição do sujeito. O poder, como
algo que se exerce, circula e forma rede, ou funciona em cadeia, constitui o
indivíduo como efeito do poder e, ao mesmo tempo, como relais pelo qual o poder
transita pelo sujeito que constitui, conformando corpos, gestos e discursos do
sujeito.
[9]
Grotius aponta três causas como legítimas para a guerra externa: 1. defesa
contra uma injúria, atual ou ameaçadora, mas não antecipatória; 2. recuperação
do que é legalmente devido para o Estado prejudicado; 3. punição do Estado
injuriador. A metáfora conceitual "Direito é guerra" é uma expressão
que pode ser encontrada nas obras de Hugo Grotius e Sêneca.
A metáfora "Direito é
guerra" também foi objeto de estudo em um artigo de Maricélia Schlemper,
publicado em 2019, que analisa a ocorrência dessa metáfora nas decisões do
Supremo Tribunal Federal.
[10]
Sendo assim, na obra “O Processo”, de Franz Kafka (2019), as relações de
poder no campo jurídico são
produzidas por meio de metáforas. Dessa forma, a leitura do texto kafkiano desvela todo o processo burocrático que
envolve a acusação de Joseph K., personagem principal da obra, por algo que, mesmo depois do fim da
história, permanece incógnito/ desconhecido do
leitor. Durante o desenrolar dos
acontecimentos, K. declara-se inocente, sem conseguir, no entanto, explicar de qual acusação é
inocente, por não ter a menor noção do que está sendo acusado. O autor aborda ainda temas
arbitrários da vida, chegando a torná-los bizarros ou não humanos, e, ao mesmo
tempo, normais, para o mundo moderno, como, no caso, mostra-se o comportamento de Joseph K.
[11]
Os termos “leigos” e “profanos” são utilizados por Bourdieu (1989) para definir
os indivíduos que não fazem parte do
meio jurídico, que não têm o conhecimento técnico da área. Discutiu-se o Poder
simbólico no campo jurídico,
caracterizando-o como uma forma de violência simbólica já que os
“leigos” não são participantes e nem
poderiam ser devido ao fato de esse meio ser tão estigmatizado e cada vez mais distante do todo social.
Comentários
Postar um comentário