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Recentes alterações na Lei de Execuções Penais

 

Recentes alterações na Lei de Execuções Penais

Recent changes to the Criminal Execution Law

 


Resumo: Na última saída temporária de presos de Natal de 2023, a mais recente concedida, cinquenta e dois mil presos foram beneficiados e, destes, 95% voltaram para as cadeias dentro do período estipulado e, os outros 5% não. Os números revelam a efetividade da saída temporária como instrumento auxiliar para a ressocialização e à reinserção do preso à comunidade, para onde queiram ou não, voltarão um dia, a não ser que o próprio sistema autofágico necessite de sua vida ou como prevê a Lei 14.843/2024. A recente alteração na LEP não tem como base estudos sociológicos sérios. Sendo conveniente ressaltar que ocorre meses antes das eleições municipais, para as quais o extremismo irracional necessita de reação imediata, sob pena de se enfraquecer, ou cair em desuso e retornar para o armário de onde jamais deveria ter saído. Pune-se o miserável para extrair o combustível que nutre o poderio elitista. O sistema prisional brasileiro é um labirinto sem saídas e permanece a ocupar o palanque central de oferendas políticas.

Palavras-chave: Direito Processual Penal. Direito Penal. Constituição Federal brasileira  de 1988. Lei 14.843/2024. Saída Temporária.

 

Abstract: In the last temporary release of prisoners in Natal in 2023, the most recent granted, fifty-two thousand prisoners were benefited and, of these, 95% returned to prison within the stipulated period and the other 5% did not. The numbers reveal the effectiveness of temporary release as an auxiliary instrument for the resocialization and reinsertion of the prisoner into the community, where, whether they want it or not, they will return one day, unless the autophagic system itself requires their life or as provided for by Law 14,843 /2024. The recent change in the LEP is not based on serious sociological studies. It is worth noting that it takes place months before the municipal elections, for which irrational extremism needs an immediate reaction, otherwise it will weaken, or fall into disuse and return to the closet from which it should never have emerged. The poor are punished to extract the fuel that nourishes elitist power. The Brazilian prison system is a labyrinth with no exits and continues to occupy the central stage of political offerings.

Keywords: Criminal Procedural Law. Criminal Law. Brazilian Federal Constitution of 1988. Law 14,843/2024. Temporary Exit.

 

 

A nova Lei nº 14.843/2024 altera a Lei de Execução Penal que entrou em vigor a Lei 14.843/2024, que traz modificações à Lei 7.210/84 – Lei de Execução Penal

Para dispor sobre a monitoração eletrônica do preso, prever a realização de exame criminológico para progressão de regime e restringir o benefício da saída temporária.

Monitoração eletrônica

A Lei 14.843 incluiu no artigo 66, V da Lei de Execução Penal, a alínea “j” que dispõe que, compete ao Juiz da execução determinar:

a) a forma de cumprimento da pena restritiva de direitos e fiscalizar sua execução;

b) a conversão da pena restritiva de direitos e de multa em privativa de liberdade;

c) a conversão da pena privativa de liberdade em restritiva de direitos;

d) a aplicação da medida de segurança, bem como a substituição da pena por medida de segurança;

e) a revogação da medida de segurança;

f) a desinternação e o restabelecimento da situação anterior;

g) o cumprimento de pena ou medida de segurança em outra comarca;

h) a remoção do condenado na hipótese prevista no § 1º, do artigo 86, desta Lei.

i) (VETADO);   

j) a utilização do equipamento de monitoração eletrônica pelo condenado nas hipóteses legais;

A nova lei também alterou o parágrafo primeiro do artigo 112 da LEP estipulando que,

 

Em todos os casos, o apenado somente terá direito à progressão de regime se ostentar boa conduta carcerária, comprovada pelo diretor do estabelecimento, e pelos resultados do exame criminológico[1], respeitadas as normas que vedam a progressão.

Antes da alteração, NÃO existia obrigação de realização de exame criminológico. A mudança crucial é a determinação de EXAME CRIMINOLÓGICO para a progressão de regime.

Além da alteração do art. 112, §1º da LEP, a nova Lei também alterou o art. 114, II que passou a ter a seguinte redação:

Art. 114. Somente poderá ingressar no regime aberto o condenado que:

II – apresentar, pelos seus antecedentes e pelos resultados do exame criminológico, fundados indícios de que irá ajustar-se, com autodisciplina, baixa periculosidade e senso de responsabilidade, ao novo regime.

A nova lei também altera o artigo 115 da LEP para permitir explicitamente que

O juiz poderá estabelecer condições especiais para a concessão de regime aberto, entre as quais, a fiscalização por monitoramento eletrônico, sem prejuízo das seguintes condições gerais e obrigatórias:

 

Saída temporária

Além disso, a nova lei pretendia revogar os incisos I e III do artigo 122 da LEP que previa saída temporária para visita familiar e convívio social:

Art. 122. Os condenados que cumprem pena em regime semiaberto poderão obter autorização para saída temporária do estabelecimento, sem vigilância direta, nos seguintes casos:

II – frequência a curso supletivo profissionalizante, bem como de instrução do 2º grau ou superior, na Comarca do Juízo da Execução;

Contudo, a nova lei foi sancionada com vetos. E um deles foi o veto a revogação desses incisos.

Razões dos vetos

“O instituto da saída temporária está atrelado, exclusivamente, ao âmbito do regime semiaberto, no qual a projeção temporal de execução da pena exige, do Estado, atuação proativa para a obtenção do equilíbrio entre (i) a privação da liberdade de quem infringiu a lei penal (ação punitiva) e (ii) a sua progressiva reintegração (ação preventiva).

Destarte, a proposta de revogação do direito à visita familiar, enquanto modalidade de saída temporária, restringiria o direito do apenado ao convívio familiar, de modo a ocasionar o enfraquecimento dos laços afetivo-familiares que já são afetados pela própria situação de aprisionamento.

É basilar ponderar que, à luz dos delineamentos declarados pelo Supremo Tribunal Federal na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental – ADPF nº 347, a manutenção de visita esporádica à família minimiza os efeitos do cárcere e favorece o paulatino retorno ao convívio social.

Tal medida não se dá por discricionariedade estatal, mas, sim, pela normatividade da Constituição, que, ao vedar o aprisionamento perpétuo, sinaliza, por via reflexa, a relevância da diligência pública no modo de regresso da população carcerária à sociedade.

Portanto, a proposta legislativa de revogação do inciso I do caput do art. 122 da Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984 – Lei de Execução Penal é inconstitucional por afrontar o teor normativo do art. 226 da Constituição, que atribui ao Estado o dever de especial proteção da família, e contrariaria, ainda, a racionalidade da resposta punitiva.

Ademais, essa mácula afeta, por arrastamento, a revogação do inciso III do caput do art. 122 da Lei nº 7.210, de 1984 – Lei de Execução Penal, visto que a participação em atividades que concorram para o retorno ao convívio social está contida no inciso I do caput do art. 3º do Projeto de Lei, o qual também versa sobre a visita à família, objeto da inconstitucionalidade vetada.”

Altera o parágrafo segundo do artigo 122 da LEP para passar a vigorar com o seguinte texto:

§ 2º Não terá direito à saída temporária de que trata o caput deste artigo ou a trabalho externo sem vigilância direta o condenado que cumpre pena por praticar crime hediondo ou com violência ou grave ameaça contra pessoa.

Ou seja, ampliou a restrição prevista anteriormente apenas para quem cometia crime hediondo com resultado morte.

Agora, não terão direito à saída temporária aqueles que praticaram crime hediondo ou com violência ou grave ameaça contra pessoa.

Além de não terem direito a trabalho externo sem vigilância. O que não era previsto antes.

A nova lei inclui no artigo 132, §2º da LEP, que trata das condições do livramento condicional, a alínea “e” com a redação:

Art. 132. Deferido o pedido, o Juiz especificará as condições a que fica subordinado o livramento.

§ 2° Poderão ainda ser impostas ao liberado condicional, entre outras obrigações, as seguintes:

a) não mudar de residência sem comunicação ao Juiz e à autoridade incumbida da observação cautelar e de proteção;

b) recolher-se à habitação em hora fixada;

c) não frequentar determinados lugares.

d) (VETADO) 

e) utilizar equipamento de monitoração eletrônica.

A nova lei ainda altera o artigo 146-B da LEP para incluir 3 novos incisos:

Art. 146-B. O juiz poderá definir a fiscalização por meio da monitoração eletrônica quando:

I – (VETADO);       

II – autorizar a saída temporária no regime semiaberto;               

III – (VETADO);        

IV – determinar a prisão domiciliar;            

V – (VETADO);

VI – aplicar pena privativa de liberdade a ser cumprida nos regimes aberto ou semiaberto, ou conceder progressão para tais regimes;

VII – aplicar pena restritiva de direitos que estabeleça limitação de frequência a lugares específicos;

VIII – conceder o livramento condicional.

E, inclui mais dois novos incisos no art. 146-C, parágrafo único da LEP:

Art. 146-C.  (…)

Parágrafo único.  A violação comprovada dos deveres previstos neste artigo poderá acarretar, a critério do juiz da execução, ouvidos o Ministério Público e a defesa:             

I – a regressão do regime;                  

II – a revogação da autorização de saída temporária;  

III, IV e V (vetados)

VI – a revogação da prisão domiciliar;            

VII – advertência, por escrito, para todos os casos em que o juiz da execução decida não aplicar alguma das medidas previstas nos incisos de I a VI deste parágrafo.      

VIII – a revogação do livramento condicional;

IX – a conversão da pena restritiva de direitos em pena privativa de liberdade.

A nova lei revoga o artigo 124 da LEP que previa o seguinte sobre a saída temporária:

Art. 124. A autorização será concedida por prazo não superior a 7 (sete) dias, podendo ser renovada por mais 4 (quatro) vezes durante o ano.

§ 1º  Ao conceder a saída temporária, o juiz imporá ao beneficiário as seguintes condições, entre outras que entender compatíveis com as circunstâncias do caso e a situação pessoal do condenado:       

I – fornecimento do endereço onde reside a família a ser visitada ou onde poderá ser encontrado durante o gozo do benefício;           

II – recolhimento à residência visitada, no período noturno;    

III – proibição de frequentar bares, casas noturnas e estabelecimentos congêneres.     

§ 2º Quando se tratar de frequência a curso profissionalizante, de instrução de ensino médio ou superior, o tempo de saída será o necessário para o cumprimento das atividades discentes.                   

§ 3º Nos demais casos, as autorizações de saída somente poderão ser concedidas com prazo mínimo de 45 (quarenta e cinco) dias de intervalo entre uma e outra.  

Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação que foi dia 11 de abril de 2024.

A Lei 14.843, de 11 de abril de 2024 que operou modificações sobre os benefícios processuais na execução penal, com ênfase sobre as "saidinhas temporárias". A pretensão punitiva estatal e a pretensão executória estatal são fases que compõem a persecução penal.

A primeira  inicia-se com a investigação e passa pela fase acusatória, pela denúncia feita pelo MP e termina com a sentença criminal que poderá ser absolutória ou condenatória.

Em sendo condenatória, nova fase se abre que é a da execução penal que é disciplinada pela Lei 7.210/1984. Cumpre alertar que o Brasil é detentor de triste recorde, tendo a terceira maior população prisional de todo o mundo.

Ainda com todo aparato do ordenamento jurídico, são pouco mais de dez casos em que o infrator tem a real possibilidade de ficar preso no país, notadamente, nos casos  homicídio, tráfico de pessoas, roubo, estupro, extorsão, extorsão mediante sequestro, estupro de vulnerável, favorecimento da prostituição, epidemia, Constituição de milícia privada, contratação direta ilegal, frustração do caráter competitivo da licitação, Modificação ou pagamento irregular em contrato administrativo, Fraude em licitação ou contrato, Abolição violenta do Estado Democrático de direito e Golpe de Estado.

Existem ainda pelos menos três súmulas, duas das quais são vinculantes, em que beneficiam os infratores da lei, as quais, passamos a enumerar:

Súmula 492 do STJ - O ato infracional análogo ao tráfico de drogas, por si só, não conduz obrigatoriamente à imposição de medida socioeducativa de internação do adolescente.

Súmula Vinculante 56 do STF - A falta de estabelecimento penal adequado não autoriza a manutenção do condenado em regime prisional mais gravoso, devendo-se observar, nessa hipótese, os parâmetros fixados no RE 641.320/RS.

Súmula Vinculante 59 do STF - É impositiva a fixação do regime aberto e a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos quando reconhecida a figura do tráfico privilegiado (art. 33, § 4º, da Lei 11.343/06) e ausentes vetores negativos na primeira fase da dosimetria (art. 59 do CP), observados os requisitos do art. 33, § 2º, alínea c, e do art. 44, ambos do Código Penal.

Depois da prisão em flagrante e antes da sentença penal condenatória, o autor pode ser beneficiado com a assinatura do Termo de Compromisso de Comparecimento, pagamento de Fiança, submissão à Audiência de custódia, receber os nove benefícios do artigo 319 do CPP, com as Medidas diversas da prisão, ainda ser beneficiado pela Suspensão condicional do processo ou fazer acordo de não persecução penal, artigo 28-A do CPP.

Durante a execução da pena privativa de liberdade, o condenado por ter os benefícios da Progressão de regime de cumprimento de pena, do Livramento condicional, da Saída temporária, do Indulto natalino, da Graça e Anistia, da Remição e Férias anuais se o cumprimento da pena for em Minas Gerais, por força do artigo 59 da Lei nº 11.404, de 1994.

A alcunhada "saidinha temporária" era disciplinada nos artigos 122 ao 125 da LEP consignando que os condenados que cumprem pena em regime semiaberto poderão obter a autorização para saída temporária do estabelecimento prisional, sem vigilância direta, nos seguintes casos, a saber:

I - visita à família;

II - frequência a curso supletivo profissionalizante, bem como de instrução do 2º grau ou superior, na Comarca do Juízo da Execução;

III - participação em atividades que concorram para o retorno ao convívio social.

A ausência de vigilância direta não impede a utilização de equipamento de monitoração eletrônica pelo condenado, quando assim determinar o juiz da execução.  

Os requisitos a serem preenchidos para obter a saída temporária da prisão são previstos no artigo 123 da LEP e são: Art. 123. A autorização será concedida por ato motivado do Juiz da execução, ouvidos o Ministério Público e a administração penitenciária e dependerá da satisfação dos seguintes requisitos:

I - comportamento adequado;

II - cumprimento mínimo de 1/6 (um sexto) da pena, se o condenado for primário, e 1/4 (um quarto), se reincidente;

III - compatibilidade do benefício com os objetivos da pena.

A autorização será concedida por prazo não superior a 7 (sete) dias, podendo ser renovada por mais 4 (quatro) vezes durante o ano.

O juiz imporá ao beneficiário as seguintes condições, entre outras que entender compatíveis com as circunstâncias do caso e a situação pessoal do condenado:                   

I - fornecimento do endereço onde reside a família a ser visitada ou onde poderá ser encontrado durante o gozo do benefício;                 

II - recolhimento à residência visitada, no período noturno;                   

III - proibição de frequentar bares, casas noturnas e estabelecimentos congêneres.

O benefício será automaticamente revogado quando o condenado praticar fato definido como crime doloso, for punido por falta grave, desatender as condições impostas na autorização ou revelar baixo grau de aproveitamento do curso.

A recuperação do direito à saída temporária dependerá da absolvição no processo penal, do cancelamento da punição disciplinar ou da demonstração do merecimento do condenado.

A referida matéria sofreu profundas modificações, transformando-se no Projeto de Lei nº 2.253-C, de 2022, denominada Lei Sargento PM Roger Dias.

A ementa doravante altera a Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984 (Lei de Execução Penal), para dispor sobre a monitoração eletrônica do preso, prever a realização de exame criminológico para progressão de regime e restringir o benefício da saída temporária.

A redação do texto final acabou por modificar alguns institutos da Lei de Execução Penal, se transformando na Lei nº 14.843, de 11 de abril de 2024, com a sanção parcial, sendo publicada com as seguintes modificações:

Destarte, o novo comando normativo começa pela competência do Juízo de Execução prevista no artigo 66, acrescentando a alínea “j”, ao inciso V, para prever:

“Art. 66. ............................... ...................................................

V - ..................................... ...................................................

j) a utilização do equipamento de monitoração eletrônica pelo condenado nas hipóteses legais;”

Outra mudança significativa foi a previsão da necessidade do apenado se submeter a exame criminológico para os casos de progressão de regime de cumprimento de pena, previstos no artigo 112 da LEP, a saber:

“Art. 112. .......................................................................................

§ 1º Em todos os casos, o apenado somente terá direito à progressão de regime se ostentar boa conduta carcerária, comprovada pelo diretor do estabelecimento, e pelos resultados do exame criminológico, respeitadas as normas que vedam a progressão.”

Sobre o ingresso no regime aberto, previsto no artigo 114, da LEP, a novíssima lei, modificou o inciso II, do artigo 114, ficando, doravante com a seguinte redação:

“Art. 114. ....................... ...............................................

II - apresentar, pelos seus antecedentes e pelos resultados do exame criminológico, fundados indícios de que irá ajustar-se, com autodisciplina, baixa periculosidade e senso de responsabilidade, ao novo regime.

Por sua vez, o artigo 115 da LEP passa a ter a seguinte redação:

“Art. 115. O juiz poderá estabelecer condições especiais para a concessão de regime aberto, entre as quais, a fiscalização por monitoramento eletrônico, sem prejuízo das seguintes condições gerais e obrigatórias:”

Sobre o tema central deste ensaio, saidinha temporária, a ideia principal do novo comando normativo era extinguir totalmente esse benefício. Algumas vozes defendiam a permanência tão somente do benefício para a frequência a curso supletivo profissionalizante, bem como de instrução do 2º grau ou superior, na Comarca do Juízo da Execução.

Assim, o legislador pátrio tinha a intenção de revogar os I e III, da LEP, que tratam respectivamente das permissões do inciso I - visita à família e III - participação em atividades que concorram para o retorno ao convívio social.

Entretanto, os incisos I e III do artigo 122 da LEP, foram vetados pela presidência da República, lançando as seguintes razões do veto:

O instituto da saída temporária está atrelado, exclusivamente, ao âmbito do regime semiaberto, no qual a projeção temporal de execução da pena exige, do Estado, atuação proativa para a obtenção do equilíbrio entre (i) a privação da liberdade de quem infringiu a lei penal (ação punitiva) e (ii) a sua progressiva reintegração (ação preventiva).

Destarte, a proposta de revogação do direito à visita familiar, enquanto modalidade de saída temporária, restringiria o direito do apenado ao convívio familiar, de modo a ocasionar o enfraquecimento dos laços afetivo-familiares que já são afetados pela própria situação de aprisionamento.

O tema das restrições ou extinções das saidinhas temporárias no Brasil nasce do Movimento punitivista da América Latina, uma política linha dura, fruto das medidas tomadas pelo presidente de El Salvador Nayib Bukele, que endureceu as penas aos criminosos, criando um mega presídio, Centro de Confinamento do Terrorismo, com capacidade para recolher algo em torno de 40 mil presos.

No Peru, as autoridades recrudesceram as penas para os crimes de roubo, dado a crescente onda dos delitos patrimoniais naquele país. Por todo lado há um momento para aumento das penas para criminosas o que se denominou a chamar-se movimento bukelismo.

O tema vem à tona no Brasil em face da morte do Sargento Roger Dias em Belo Horizonte no início do ano de 2024, quando de uma abordagem a um criminoso que estava gozando do benefício da saidinha temporária e não havia retornado à prisão. O policial militar acabou sendo assassinado covardemente por esse criminoso que se encontra nas ruas da capital em face da benevolência da lei de execução penal.

O instituto da "saidinha temporária" não é matéria exclusiva da legislação brasileira.

Vários países têm previsão em seus ordenamentos jurídicos, como Reino Unido, Irlanda, Portugal, Itália, França e Espanha, mas cada uma com adotando um formato diferenciado. Há legislações que proíbem esses benefícios em datas festivas, como a Irlanda e o Reino Unido; em Portugal o prazo não é certo como no Brasil, que adota um prazo de sete dias, renovável mais quatro vezes ao ano; outros critérios em razão ao cumprimento da pena também são adotados em Portugal.

Na Itália, por sua vez, a concessão depende do comportamento do preso, e ainda que sua conduta não seja socialmente perigosa, além de um prazo maior para a sua concessão. Na França, uma previsão diferente. A autoridade concedente é o diretor do estabelecimento prisional, que caso de indeferimento, o interessado pode recorrer ao juiz de execução penal.

Antes da recente Lei nº 14.843, de 11 de abril de 2024, no Brasil, a concessão do benefício é ato privativo do Juiz de Execução Penal, artigo 66, inciso IV, da LEP, ouvidos o Ministério Público e a autoridade administrativa do estabelecimento penal.

Assim, conforme dicção do artigo 122 da LEP, os condenados que cumprem pena em regime semiaberto poderão obter autorização para saída temporária do estabelecimento, sem vigilância direta, nos seguintes casos: I - visita à família; II - frequência a curso supletivo profissionalizante, bem como de instrução do 2º grau ou superior, na Comarca do Juízo da Execução; III - participação em atividades que concorram para o retorno ao convívio social.

A autorização será concedida por ato motivado do Juiz da execução, ouvidos o Ministério Público e a administração penitenciária e dependerá da satisfação dos seguintes requisitos:

I - comportamento adequado;

II - cumprimento mínimo de 1/6 (um sexto) da pena, se o condenado for primário, e 1/4 (um quarto), se reincidente;

III - compatibilidade do benefício com os objetivos da pena.

A autorização será concedida por prazo não superior a 7 (sete) dias, podendo ser renovada por mais 4 (quatro) vezes durante o ano.

O benefício será automaticamente revogado quando o condenado praticar fato definido como crime doloso, for punido por falta grave, desatender as condições impostas na autorização ou revelar baixo grau de aproveitamento do curso.

A recuperação do direito à saída temporária dependerá da absolvição no processo penal, do cancelamento da punição disciplinar ou da demonstração do merecimento do condenado.

A saidinha temporária sempre foi um calo na vida da sociedade e um complicador processual dos detentos; a grande maioria não retorna aos presídios e em liberdade acabam praticando novos delitos, em especial, porque a justiça brasileira, benevolente e materna sempre teve o costume de conceder esse benefício em datas comemorativas, Natal, Réveillon, Dia das Mães, Dia dos Pais, Semana Santa, Dia das Crianças, muito embora não tivesse nenhuma norma indicando essa concessão em datas festivas.

Por unanimidade dos votos, o Plenário do STF reconheceu a existência de um cenário de violação massiva de direitos fundamentais no sistema prisional brasileiro, em que são negados aos presos, por exemplo, os direitos à integridade física, alimentação, higiene, saúde, estudo e trabalho. Afirmou-se que a atual situação das prisões compromete a capacidade do sistema de cumprir os fins de garantir a segurança pública e ressocializar os presos.

Com o objetivo de superar tal situação, o STF determinou um conjunto de medidas a serem adotadas pelo Poder Público. Entre tais medidas, fixou-se prazo para que a União, Estados e Distrito Federal, com participação do CNJ, elaborem (em até 6 meses) e executem (em até 3 anos) planos para resolver a situação em suas respectivas unidades. Os prazos para os Estados e o Distrito Federal correrão após a aprovação do plano federal.

Certamente, dentro do prazo legal, a matéria do veto retornará ao Congresso Nacional, a teor do artigo 66, § 4º da Constituição da República para análise, em sessão conjunta, dentro de trinta dias a contar de seu recebimento, com grandes possibilidades para a cassação do veto.

Extinguir o benefício da saidinha temporária é atentar contra a ressocialização do preso. Coitado do povo trabalhador que tem seus direitos agredidos por criminosos desalmados; e nem adianta cassar o veto presidencial.

Provavelmente, o STF irá declarar a extinção da saidinha temporária inconstitucional e nas próximas datas comemorativas os criminosos estarão novamente nas ruas, assaltando e roubando, arrancando a paz do cidadão trabalhador, exigindo da polícia mais esforço para tentar prender novamente esses delinquentes.

E a Lei de Execução Penal em vigor desde 1985, já foi alterada quatorze vezes. E, antes dessa última alteração de 2024, houve a alteração no artigo 14, com a adição do §4º: Será assegurado tratamento humanitário à mulher grávida durante os atos médico-hospitalares preparatórios para a realização do parto e durante o trabalho de parto, bem como à mulher no período de puerpério, cabendo ao Poder Público promover a assistência integral à sua saúde e à do recém-nascido (Incluído pela Lei 14.236, de 2022).

As alterações trazidas pela Lei 14.843/2024 afrontam tanto o princípio da dignidade humana, que garante as presas e presos o respeito à sua integridade física e moral quanto ao princípio da individualização da pena, por limitar o progresso na ressocialização de apenadas e apenados, apesar de seu bom comportamento.

A mencionada Lei já denominada de Lei Sargento PM Dias, em homenagem ao policial que foi baleado na cabeça em 5 de janeiro do corrente ano após abordagem a dois suspeitos em Belo Horizonte, altera a Lei de Execução Penal de 1984, e em resumo trouxe como principais modificações, a saber:

1.Determina a utilização do equipamento de monitoração eletrônica pelo condenado nas hipóteses legais;

2.O preso somente terá direito à progressão de regime se ostentar boa conduta carcerária, comprovada pelo diretor da penitenciária, e pelos resultados do exame criminológico, respeitadas as normas que vedam a progressão;

3.O preso deve apresentar pelos seus antecedentes e pelos resultados do exame criminológico, indícios de que irá ajustar-se, com autodisciplina, baixa periculosidade e senso de responsabilidade, ao novo regime;

4.O juiz poderá estabelecer condições especiais para a concessão de regime aberto, entre as quais, a fiscalização por monitoramento eletrônico;

5.Não terá direito à saída temporária ou a trabalho externo sem vigilância direta o condenado que cumpre pena por praticar crime hediondo ou com violência ou grave ameaça contra pessoa;

Quando se tratar de frequência a curso profissionalizante ou de instrução de ensino médio, ou superior, o tempo de saída será o necessário para o cumprimento das atividades discentes.

A Defensoria Pública da União (DPU) alertou que s mudanças promovidas pelo Congresso Nacional para endurecer a concessão das saídas temporárias têm potencial de criar “instabilidades nos presídios brasileiros”. Além disso, pontuou que as novas regras afrontam “o princípio da dignidade da pena”.

Esperemos que o pior não aconteça. . O sistema prisional brasileiro é um labirinto sem saídas e permanece a ocupar o palanque central de oferendas políticas.

 

 

Referências

ADPF 347 Violação massiva de direitos fundamentais no sistema carcerário brasileiro. Disponível em https://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/ADPF347InformaosociedadevF11.pdf.︎

BRASIL. Lei de Execuções Penais. Lei nº 7.210, de 1984. Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L7210.htm. Acesso em 22 de março de 2024.

BRASIL. Código Penal. Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm. Acesso em 18.4.2024.

BRSIL. Lei nº 14.843, de 11 de abril de 2024. Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2023-2026/2024/lei/L14843.htm. Acesso em 18.4.2024.

________. Lei nº 14.326, de 12 de abril de 2022. Altera a Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984 ( Lei de Execução Penal), para assegurar à mulher presa gestante ou puérpera tratamento humanitário antes e durante o trabalho de parto e no período de puerpério, bem como assistência integral à sua saúde e à do recém-nascido. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2022/Lei/L14326.htm#art2 > Acesso em18.4.2024

CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Regras de Bangkok: regras das Nações Unidas para o tratamento de mulheres presas e medidas não privativas de liberdade para mulheres infratoras. Coordenação: Luís Geraldo Sant’Ana Lanfredi - Brasília: CNJ, 2016. Disponível em < https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2019/09/cd8bc11ffdcbc397c32eecdc40afbb74.pdf > Acesso em 18.4.2024.

ITTC - INSTITUTO TERRA, TRABALHO E CIDADANIA. Tradução das Regras de Bangkok no Brasil completa um ano. Disponível em < https://ittc.org.br/traducao-regras-bangkok-brasil-completa-um-ano/ > Acesso em 18.4.2024.

JAVORSKI FILHO, Sérgio Odilon. Sistema prisional: labirinto sem portas. Diário Indústria&Comércio. Disponível em: https://www.diarioinduscom.com.br/Noticias/837864/sistema_prisional:_labirinto_sem_portas Acesso em 18.4.2024.



[1] A natureza do exame criminológico consiste na realização de um diagnóstico e de  um prognóstico criminológico, aos quais se segue uma proposta de conduta a ser tomada em  relação ao examinando. Trata-se de perícia acerca da dinâmica do ato criminoso. Pelo  diagnóstico, o exame busca avaliar as condições pessoais do preso, orgânicas, psicológicas,  familiares e sociais, que estariam associadas à sua conduta criminosa e a “explicariam”. É  através desse exame que se pode individualizar a pena, e o magistrado pode se basear para  estabelecer a progressão do regime ou a volta desse individuo à sociedade, de forma mais  responsável.  Sendo assim, a Comissão Técnica de Classificação, responsável para realização do  exame criminológico, exerce papel de destaque na política criminal de nosso país, fazendo  com que seja colocada em experiência a vontade do legislador ao traçar objetivos de  reintegração do condenado à sociedade por meio da individualização da pena.  O exame criminológico é um conjunto de exames e pesquisas científicas de natureza  biopsicossocial do homem que delinquiu e para se obter o diagnóstico da personalidade  criminosa e se fazer o prognóstico; tal exame revelará, sem disfarces, a verdadeira dimensão  da personalidade do criminoso, descobrindo sua intimidade psíquica.  Sendo assim, por se tratar de perícia, o exame criminológico deve ser feito  unicamente por técnicos, os quais compõem Comissão Técnica de Classificação, conformo foi estabelecido na Lei de Execução Penal de 11 de julho de 1984.

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