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Entre o céu e a terra.

 



 

Já dizia o famoso bardo, "há mais coisas entre o céu e a terra do que pode imaginar nossa vã filosofia" Por sua vez, o grande Guimarães Rosa cogitou expressamente: "Tudo, aliás, é a ponta de um mistério, inclusive os fatos".

Novamente, Guimarães Rosa: "Mestre não é quem sempre ensina, mas quem de repente aprende". "Mire veja: o mais importante e bonito, do mundo, é isto: que as pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas – mas que elas vão sempre mudando. Afinam ou desafinam. Verdade maior. É o que a vida me ensinou."

O infinito semântico que desafia os nossos sentidos, nossa inteligência e, os umbrais cada vez mais abertos na realidade que vai do tom mais sutil até o mais obscuro. Não é mais o universo e sim, o multiverso.

Há dilemas humanos cruciais, pois nem tudo é questão de inteligência ou de racionalidade. Há um domínio metafísico, há o imponderável. Entre Deus e o Diabo existe um dilema.

A travessia que precisamos fazer, no barco de Caronte, e a coletânea da maturidade que nos faz perceber a grandeza do protagonista da obra Grande Sertão: Veredas, Riobaldo que era o "ser que era" eis que sensível percebera o contraste com os muitos "seres que não eram", eram símbolos despidos de conceitos.

De certo modo, somos todos órfãos da crônica da realidade brasileira encharcada de jagunços, militares, políticos, fazendeiros e oportunistas de plantão e, que para exercer seus podres poderes no Reino Imaginário, seja na Dinamarca, tal qual Hamlet, ou nas gretas, do sertão se apoderam de tudo que somos nós... Eis que o sertão está em toda parte.

Assim como a culpa humana, uma chaga na alma a torturar a existência condicionada pela história. Aristóteles já cogitava da essência do homem, sua vontade. Afinal, para o filósofo, o homem voluntário é o ser que é, ao passo que o não voluntário, é o ser que não é.

Prossegue o filósofo: -"Você nunca fará nada neste mundo sem coragem... E, ainda salientou: "Nunca existiu uma grande inteligência sem uma veia de loucura."

Aliás, Aristóteles já nos alertava: "Um tirano precisa fingir a aparência de devoção excepcional à religião. Os cidadãos ficam menos preocupados quanto ao comportamento ilegal de um governante que eles consideram piedoso e temente a deus”.

Explorando as veredas que cabem no tema da liberdade, ser ou não ser, ser livre ou cativo corresponde a atravessar ou não atravessar o sertão. Liberdade que escava dentre de cada um de nós, uma transcendência, um viés explorador de si: um senso intuitivo, unitário, paradoxal e profundo. Será que merecemos ser livres? Ou um mero ser condicionado desde que civilizado...

A liberdade é a tradução mais fiel da abertura para o infinito. Pois, no cativeiro tudo é conhecido, contado e finito. As decisões maturadas no bálsamo da consciência, sobre a ventania da vacilação e, ainda, no pactuar com algum ser metafísico, seja ele demônio, anjo ou divindade.

Hamlet resoluto, percorreu sua travessia, quando finalmente deliberou em assassinar Cláudio, o assassino de seu pai, e o sedutor de sua mãe que a levou até as raias das traições mais abjetas. E, o protagonista asseverava: “Há algo de podre no reino da Dinamarca”.

Não foi o coro de vozes fantasmagóricas que corroborou para o desfecho da tragédia, foi todo o sofrer semântico implícito na trama, na alma e, principalmente, nos paradoxos gritantes.

No fundo, a semântica é a síntese que reina, onde se decifra os enigmas, sendo uma riqueza humana guiada por algum fio divino. Ou seremos nós, pobres títeres? Manejado por um deus ou por muitos deles.

Novamente, Hamlet, nos ensina: “As coisas em si mesmas não são nem boas nem más, é o pensamento que as torna desse ou daquele jeito”. Hamlet (Ato II – Cena II: Hamlet)

Os paradoxos são os verdadeiros pais da dinâmica, pois não admitem acomodações e nem inércia. Impõem sempre um dinamismo existencial, tencionado pela travessia que vai do domínio físico para o metafísico. Do lógico para o caótico.

De que me vale o léxico e a terminologia? Se a contradição revela apenas a impossibilidade objetiva, sendo seu único sentido o de ser nonsense. Uma inocência contemporânea e quase infantil. Escondem as palavras sua semântica ultrassecreta.

Enfim, narra o texto bíblico (Gênesis 1:26) que no último dia da criação disse Deus:-"Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança". Desta forma, o homem é o único dentre toda a criação de Deus, tendo tanto uma parte material(corpo)como uma imaterial (alma/espírito).

Classicamente correto era Sócrates ao dizer: "só sei que nada sei" e vivia com essa contradição harmonizada com sua sede de conhecimento, que matou bebendo a cicuta que lhe sentenciou à morte.

Uma das mais célebres frases do filósofo, "a vida sem reflexão não vale a pena ser vivida", foi tirada do discurso de defesa de Sócrates em seu julgamento logo após ele ter sido considerado culpado e condenado à morte.

A lei ateniense poderia ter dado uma pena alternativa a Sócrates, mas ele declarou que não poderia abandonar seu compromisso com a investigação filosófica. Assim, Sócrates bebeu, sem hesitação, um veneno letal de cicuta.

A contemporaneidade nos reprisa paradoxos medievais onde o espírito racionalista é desafiado, e o Ficto, delicadamente, bate à porta do Real. Precisamos do Ficto, da ficção e do imaginário que nutre as essências e delinquências humanas. Ninguém é bom o tempo todo. E, nem estará correto ou escorreito a vida inteira. Haverá tropeços, enganos e, até pecados mortais.

Uma das lições que Leandro Karnal nos deu a respeito da obra Hamlet, de Shakespeare, "O governo é o fruto da sociedade que é governada". Assim, entende-se a coerência de governos corruptos que estão inseridos em práticas sociais que reforçam os comportamentos de desvio.

Haverá o ateu que se benze. A religiosa que trai o marido e, se despe de seu recato e, se revela muito sedutora e mordaz. Haverá aquele que viola as regras da etiqueta e, também, aquele que viola o Código Penal. Crimes, pecados, grosserias ou vilanias... todas no mesmo material humano. Errático. Fugaz e avassalador.   Um ser delicadamente situado entre o céu e a terra.

 

Referências

ADLER, Mortimer. Aristóteles Para Todos. São Paulo: É Realizações, 2010.

DORION, Louis-André. Compreender Sócrates. Tradução de Lúcia M. Endlich Orth. Petrópolis: Editora Vozes, 2011.

KARNAL, Leandro. O que aprendi com Hamlet. São Paulo: Leya, 2018.

LEITE, Gisele. Bardo Jurídico 4 volumes. Ebook. Links: O Bardo Jurídico –volume 01: https://online.fliphtml5.com/dozlr/xsbv/ O Bardo Jurídico – Volume 02:  https://online.fliphtml5.com/dozlr/gowu/ O Bardo Jurídico – Volume 03: https://online.fliphtml5.com/dozlr/vvxq/ O Bardo Jurídico – Volume 04: https://online.fliphtml5.com/dozlr/rhjr/

PLATÃO. Diálogos I - Teeteto (ou Do Conhecimento), Sofista (ou Do Ser), Protágoras (ou Sofistas).  Traduzido por Edson Bini. São Paulo: Edipro, 2017.

ROSA, João Guimarães. Grande Sertão: veredas. São Paulo: Companhia das Letras, 2019.

SHAKESPEARE, W. Box Clássicos de William Shakespeare. Tradução de Júlio Emílio Braz. São Paulo: Editora Principis, 2022.

TRABATTONI, Franco. Platão e Aristóteles. História da Filosofia Antiga. São Leopoldo: UNISINOS, 2018.

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